30.11.13

Os pinta-paredes (83)

Conforme prometido em comentário afixado ontem (ao post intitulado «Os pinta-paredes (81)»), aqui fica o link para um texto sobre o mesmo assunto, publicado em Maio de 2001 na revista Valor - ver [aqui].

Sim, comparei-nos com os nossos burros

Por Ferreira Fernandes
Há meses croniquei aqui sobre os burros de Miranda ("Afinal nem tudo é asno", 24 de Fevereiro de 2013). Ontem, o The New York Times também se interessou pelo burro mirandês. Raphael Minder , o jornalista, lançou a metáfora: "O destino do burro começa a assemelhar-se ao dos humanos: ameaçado pelo declínio populacional e dependente para sobreviver dos subsídios da União Europeia." Claro, feriu suscetibilidades. Logo se disse que os americanos comparam portugueses ao burro mirandês... Minder, falando para o Público, teve de dizer que longe dele pensar isso. Foi, então, que eu me dei conta da tangente que passei ao apedrejamento. É que eu comparei, mesmo, os portugueses e os burros de Miranda! Mais, ousei dizer que, na comparação, os homens ficavam em desvantagem. É que na minha crónica eu referia o Centro de Acolhimento de burros, em Miranda do Douro, por onde andou agora Raphael Minder. Ali, os velhos transmontanos, de 70 anos, vão levar os companheiros, que aos 35 são tão velhos quanto eles, para terem uma reforma digna. Ali, limam-se os dentes pontiagudos aos burros, cuidam dos cascos e deixam-nos passear sem precisar de arrastar o arado... Confesso que me comovi por ver bem tratados portugueses que ficaram velhos para o mercado de trabalho. Embora também amargo por saber que a outros velhos compatriotas, quando bípedes, se lhes lança a pergunta moderna: "Qual é a parte de "não há dinheiro para ti" que não entendes?"
«DN» de 30 Nov 13

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Os pinta-paredes (82)

Lisboa - Estrada das Laranjeiras

Francisco e o poder

Por Antunes Ferreira 
AS DECLARAÇÕES, práticas e decisões do Papa Francisco têm provocado as mais diversas opiniões dentro e fora Igreja Católica Apostólica e Romana. Parecendo ser uma verdade do amigo Banana ou de Monsieur de la Palice, a verdade é que não é. O que disse, por exemplo, sobre os homossexuais veio abanar um dos pontos de honra do Vaticano: ele tem vindo permanentemente a considera-los pecadores.
O primeiro cardeal do continente americano e oriundo dos jesuítas de seu nome Jorge Mario Berglogio, de acordo com uma senhora Amália que namorou quando adolescente, tinha pedido a sua mão e, em caso de recusa, seria padre. E a Papa chegou, escolhido ao segundo dia do Consistório, mais precisamente a 13 de Março deste ano que está prestes a terminar. E logo na sua primeira aparição aos fiéis que enchiam a praça de S. Pedro, deu uma indicação de algo iria mudar na Santa Sé: apareceu à varanda usando apenas a batina Branca. (...)
Texto integral [aqui]

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29.11.13

Apontamentos de Lisboa

Nada escapa à praga dos low-cost...

Tempos esquisitos estes que vivemos

Por Ferreira Fernandes
Philippe Varin, o patrão da empresa francesa de automóveis PSA (Peugeot e Citröen), vai reformar-se para o ano e isso é notícia que nos interessa não só por o sucessor ser Carlos Tavares, filho de emigrantes portugueses. Varin foi ontem um caso - um escândalo detonado e resolvido no mesmo dia - que talvez não venha a ter muitos filhotes mas revela os tempos revolucionários que vivemos.
A Grande Crise Europeia (2008-20??) talvez não traga nenhum assalto ao Palácio de Inverno, mas daqui a algumas décadas ainda se falará dela pelos casos (episódicos ou estruturais, ver-se-á) que abalaram certezas adquiridas. Das leis portuguesas poderem ter efeitos retroativos aos governos italianos e gregos poderem ignorar os parlamentos, a Europa tem vivido momentos de espantar. Não se trata aqui de julgar esses momentos, mas só de lembrar que eram inacreditáveis antes da eclosão da crise. 
Ontem, a França viveu um desses momentos: um grande patrão foi obrigado a renunciar a qualquer coisa que estava inserida na ordem habitual das coisas. A PSA foi mal gerida, teve perdas gigantescas, precisou de apoio do Estado, despediram-se trabalhadores ou diminui-se-lhes o salário e preparou-se um pacote de 21 milhões de euros para a reforma de Varin. Enfim, o habitual até agora. Ontem, porém, Varin teve de renunciar à reforma, tais foram os protestos. Mais um episódio, como a expulsão do senador Berlusconi? Ou tempos que vão determinar novos rumos?
«DN» de 29 Nov 13

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Os pinta-paredes (81)

Lisboa -Estação de Entrecampos
Claro que é de louvar a iniciativa da Refer no sentido de diminuir o impacto dos gatafunhos. Mas ao fazê-lo com tinta branca... estava mesmo a pedir o quê?!

28.11.13

Tratados suavemente a cavalo-marinho

Por Ferreira Fernandes
A história, sabe-se, ajuda a não cometer erros no presente. Mas um artigo do Times, de Londres, ontem, mostrou que a Biologia Marítima também não é má a dar lições. 
Não sei se já mergulharam para ver cavalos-marinhos. Eu vi-os em mangais brasileiros, são pacholas como folhas mortas vogando. Ora a sua principal comida são copépodes, invertebrados pequeninos e muitos - no planeta há mais copépodes do que insetos. Outra característica dos copépodes: são rapidíssimos. Se tivessem o nosso tamanho, nadavam a 3000 km/h (Michael Phelps: 7 km/h). Como é que, então, um cavalo-marinho apanha um copépode? Cavalo-marinho também é nome do mais brutal dos chicotes, feito com couro de hipopótamo, mas é com suavidade que o nosso peixe (o cavalo-marinho é um peixe) se aproxima da presa. Com a sua cabeça equina, nadando de pé, com filamentos que parecem crinas, os cavalos-marinhos, afinal, não cavalgam, nem a galope nem a passo - um estudo da Universidade do Texas mostrou que eles cortam a água devagarinho e sem fazer a mínima vaga. Chegados ao pé das presas, desprevenidas, sugam-nas com o seu focinho em forma de tubo. 
Ontem, também li que a alemã Volkswagen quer tornar-se a maior fabricante mundial de automóveis, o mais tardar em 2018. Se o conseguir, acho que ela devia trocar o logo da sua marca, o célebre "VW" num círculo, por um cavalo-marinho. E nós podemos marcar na testa a figura, seja lá isso o que for, de um copépode. 
«DN» de 28 Nov 13

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Pergunta de algibeira

A avaliar pelo número de exemplares que se vêem em Portugal, esta obra parece ter sido um êxito - pelo menos para a editora.
Alguém sabe porque é que o digo?
(A resposta será dada logo à tarde em actualização).
Actualização:
Exemplares deste livro encontram-se (às dezenas? às centenas?) a encher as estantes na IKEA... 

A Aula Magna, Mário Soares e a comunicação social

Por C. Barroco Esperança
A reunião da Aula Magna foi, pela quantidade, qualidade e diversidade de pessoas que congregou, o principal acontecimento da contestação intelectual ao Governo que o PR insiste em manter. 
Não bastou a demissão irrevogável do ambicioso e inconstante ministro Paulo Portas e a sua ausência e a de todo o elenco dos seus vassalos, para Cavaco, num ato pífio, investir a ministra das Finanças num Governo que, nesse momento, já não existia. 
O Governo que, ao contrário de Roma, pagou a Paulo Portas com a vice-presidência e a liderança das pastas económicas; que viola a Constituição por índole e desafia os juízes do Tribunal Constitucional por hábito; que é mau por inépcia e péssimo por ideologia, é apoiado pelo PR por razões que a razão desconhece. (...)
Texto integral [aqui]

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27.11.13

A propósito da crónica anterior

Quem quiser aprofundar o tema abordado na crónica de hoje de Ferreira Fernandes tem à sua disposição estes dois livros, mais interligados do que se poderia pensar.

Por favor, não ajudem!

Por Ferreira Fernandes
No princípio da semana, a ONU deu o alerta: "Há um país no coração de África que está a descer para o caos completo perante o nosso olhar." Falava da República Centro Africana, mas já outros estados, Mali, Níger e Chade, entraram em estado comatoso - tal como o Norte da Nigéria e o Sul da Argélia - depois das milícias islâmicas se armarem nos arsenais líbios, tornados uma rebaldaria com o fim de Kadhafi. Depois da morte deste, o Sahel, a fronteira geográfica que separa o deserto do Sara da África tropical, ficou a tragédia que se vai exportando para o Sul, como se confirma ao ter chegado já ao tal país no coração de África. 
Valeria a pena pendurar na parede um mapa africano e ir pondo pioneses a assinalar a progressão do caos. Recomenda a ONU, para a República Centro Africana: "A situação requer uma ação imediata e decisiva." Não sei. O caos atual começou exatamente com uma igual recomendação do filósofo francês Bernard-Henri Lévy. Ele não descansou enquanto não convenceu Sarkozy e Cameron a derrubar Kadhafi. O balanço foi positivo, mas só para Bernard-Henri Lévy: ele pôde fazer-se fotografar em Benghazi com ar de herói. É certo que André Malraux também tem fotos com esse ar, que conquistou lutando, mas ele, Lévy, conseguiu-o com a gola da camisa muito mais vistosa. Deus livre a África dos estrangeiros com boas intenções e, pior, com vontade de as aplicar. 
«DN» de 27 Nov 13

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Ramalho Eanes

Por Baptista-Bastos
Uma firmeza de carácter que poderia ser entendida com juízos contraditórios, tanto mais que ele raramente sorria. Conheci-o em 1977, durante o 11 de Junho, na Guarda. Fora enviado à cidade alta, para relatar, em uma página do Diário Popular, o que se me afigurava fastidiosamente desinteressante. Não o foi. E, em vez da página combinada, a qualidade comovente dos acontecimentos impeliram-me a escrever um suplemento de dezasseis. A acompanhar-me, Rocha Pato, correspondente do jornal em Coimbra, estimado camarada e jornalista fora do comum. O homem aparentemente distante, recém-eleito Presidente da República, foi à sala da imprensa. Quando lhe disse o meu nome, ele respondeu: "Sei muito bem quem o senhor é." E apertou-me a mão com firmeza e calor. António Ramalho Eanes. Ficámos amigos até hoje. Com ele viajei por Portugal e ao estrangeiro. Aprendi que ele dispunha de um sentido de ironia por vezes devastador, e que, apenas com uma frase era bem capaz de definir um homem e o seu cunho. Em épocas menos airosas da minha vida, havia sempre umas palavras, pelo telefone ou em carta. Certa vez, estava eu a passar pelos atropelos de uma insídia, ele telefonou e disse-me: "Não se esqueça de que só apedrejam as árvores que dão fruto." Não esqueci.
Um homem como este, que desperta a estima em pessoas tão diferentes como Miguel Torga, Jorge de Sena, Vasco da Gama Fernandes ou Manuel da Fonseca e Augusto Abelaira, terá de possuir algo de distinto e até de oposto aos hábitos e vícios da época. Num tempo desvairado, onde a mentira e a omissão se sobrepõem aos valores da integridade, da honra e da decência, Ramalho Eanes é peça quase única. Eu, pelo menos, conheço poucos ou nenhum que se lhe equipare. Ele é um homem com a respeitabilidade antiga, daqueles para quem o aperto de mão constituía um compromisso irrefragável; um desses raros cavalheiros da velha fidalguia de província que jamais quebra o pacto de decoro e de brio estabelecido consigo mesmo. De contrário, seria "uma vergonha."
A homenagem que lhe fizeram vem na hora própria porque abre um parêntesis de memória virtuosa no lamaçal em que se pretende afogar-nos. O Marcelo, como lhe é costume, tentou confundir a reunião da Aula Magna com o tributo a Eanes, demarcando uma como de Esquerda e outra de Direita. Astúcias frequentes no comentador, tal o velho palhaço Chacrinha, na televisão brasileira, que dizia: "Estou aqui para complicar; não para explicar." A verdade é que tanto Soares como Eanes, se não obtêm unanimidades, conquistaram o afecto de muita gente de Direita e de Esquerda, indiscriminadamente. Viu-se, aliás, nos dois acontecimentos aludidos. E se esse afecto não é determinado pelos mesmos motivos e razões, outros há, de certeza, que aclaram e justificam a sua peculiar natureza. Uma certeza: nenhum destes dois está no outro lado da História.
«DN» de 27 Nov 13

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26.11.13

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Ponham os olhos no chão, portugueses!

Por Ferreira Fernandes
Os provérbios têm um jeito particular para ser reacionários: "Não suba o sapateiro além do chinelo", diz-se. Pois diz-se mal e sem ambição. Se há coisa para a qual Portugal pode falar de cima é quando olha para baixo: os seus sapatos. Ontem, a Assembleia Europeia das PME deu ao calçado português o prémio europeu de capacidade de internacionalização. O concorrente derrotado foi o champanhe francês: com pés assentes na terra ganhámos às bolhinhas de ilusão. 
Todos os dias as estatísticas fornecem-nos dados para os quais olhamos prudentemente com suspeição: querem dizer o quê aquelas ínfimas percentagens que se espera crescermos para o ano? É bom? Ou quer dizer que marcamos passo?... Já os sapatos são um grande salto: em dois anos, escrevia ontem o enviado do Público ao tal prémio, o sector do calçado português cresceu 21 por cento e o preço médio cresceu 25 por cento. Vendemos muito mais e fazemo-nos pagar muito melhor. Em qualidade, no mundo, só perdemos para Itália. E não estamos a falar de um nicho de mercado, um produto para iniciados. Uma pessoa pode mudar de partido e até de clube, mas, depois de adulto, fica firme sobre os seus 41 (ou 39, ou 43...) que lhe ditaram nos pés. Sabemos quanto calçamos melhor do que a data de aniversário do cônjuge. E é esse importantíssimo objeto que sabemos fazer bem e com sucesso numa época em que o resto arrasta os pés. Os jornais que falem desses heróis, patrões e operários.
«DN» de Nov 13

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Parabéns, Professor Galopim!

(Imagem do blogue Biodiversidade)
Prof. Galopim de Carvalho, vencedor do Grande Prémio Ciência Viva 2013

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25.11.13

Diogo Infante no negócio dos rins e corações

Por Joaquim Letria 
TENHO saudades do meu amigo Carlos Medina Ribeiro e de escrever no seu blogue SORUMBÁTICO. Verdade se diga que mato as saudades com certa regularidade, almoçando ambos, e obviamente que não há dia que não passe pelo SORUMBÁTICO. Não perco as notas do Carlos. Maus estacionamentos e irreprimíveis apontamentos do nosso querido urbanismo autárquico também não lhe escapam. 
Assim, acompanhar o CMR nesta sua faceta e ler o Ferreira Fernandes, o melhor cronista da nossa actualidade, obriga-me a frequentar o SORUMBÁTICO. Também prometi a mim mesmo que só escreveria quando tivesse alguma coisa a dizer aos outros. Mas eis que me surge um excelente pretexto que aqui ofereço ao CMR para as suas investigações, fotos digitais e parágrafos acutilantes!
Tendo eu acompanhado uma querida familiar ao posto de saúde, eis que descubro nas diferentes salas de espera um poster gigante com uma sorridente foto de Diogo Infante onde o antigo Director do Teatro Nacional D. Maria II anuncia, urbe et orbi que “DAR UM RIM É BOM PARA O CORAÇÃO!” 
Quem sou eu para questionar o homem que tira as dúvidas do Português ao nosso querido Portugal?! Mas pergunto: "Oh Diogo: Se tirar um rim faz bem, tirar dois faz muito melhor?!” Eu, que até fui freguês do Diogo quando este fazia Shakespeare no Villaret e umas pecinhas mais ou menos no Maria Matos, poderei presumir que aquela frase assassina na iliteracia dos doentes portugueses se deve antes ao Eduardo Barroso, o sportinguista Rei dos Transplantes!? Aqui está um apaixonante mistério que deixo, com um abraço amigo para todos, mas para o nosso CMR resolver!

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Apontamentos de Lisboa

Eco para más palavras silêncio para as boas

Por Ferreira Fernandes
Vasco Lourenço avisou os governantes: "Ou saem a tempo ou vão ser corridos à paulada." E, na conferência da Aula Magna, Mário Soares também foi por aí: "O Presidente e o Governo devem demitir-se, enquanto podem ainda ir para suas casas pelo seu pé. Caso contrário, serão responsáveis pela onda de violência que também os atingirá." Palavras erradas, por evocarem a violência. E, claro, palavras que foram as mais comentadas - por quem, à direita, se aproveitou para cobrar o erro e por quem, à esquerda, tendo convicção por esse erro, mais o incitou. 
Porém, as palavras mais duras daquela noite nem foram do militar nem do grande político, mas de José Pacheco Pereira, aparentemente deslocado na conferência pelo seu estatuto de militante do PSD. Foi ele que de maneira eficaz soube falar do "discurso de contínua mentira e falsidade" dos que destroem Portugal. Foi ele, com um raciocínio inesperado sobre como havia de se dirigir aos presentes (companheiros, camaradas, amigos?), que soube dizer da necessidade de se procurar a unidade capaz de nos levar ao urgente sobressalto nacional. Pacheco Pereira não foi tosco e por isso não foi tão comentado. O País preferiu as pauladas e as ondas de violência. Preferiu palavras bastardas, porque quem as disse não as quer nem tem como as querer. E palavras imprudentes porque caso surja um isolado fogacho demente lá entraremos, a pretexto dessas palavras, em discussões sem sentido.
«DN» de 25 nov 13

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24.11.13

Luz - Um antigo mercado transformado em “Comes e Bebes” e “Gourmet”, Madrid.

Fotografias de António Barreto- APPh
Clicar na imagem para a ampliar
Era um mercado do século XIX, em ferro, vidro, pedra e tijolo. Foi transformado e adaptado. Continua a ser mercado de produtos vários, a que se acrescentaram bares de toda a espécie, pequenos restaurantes rápidos, cafés, geladarias, pastelarias, etc. Lá encontrei, com surpresa, pastéis de nata ou de Belém, ameixas de Elvas, vinho do Porto, figos do Algarve, frutos secos e mais uma ou duas iguarias portuguesas. (2012).

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Subir escadarias em brandos costumes

Por Ferreira Fernandes
A semana acabou, nas escadarias de São Bento, na correria em vaivém das forças da ordem. Estas, embora manifestando-se, cumpriam a lei. A da gravidade, pelo menos: o que sobe, desce. Ou, como diria Isaac Newton: a força de atração entre dois corpos - no caso, o Corpo de Intervenção e o corpo de polícias manifestantes - depende das suas massas. Sendo estas, as massas, poucas (aliás, era a razão de todos estarem ali), a atração, a força gravítica, seria branda e bem portuguesa. Razão tinham os dois leões no sopé da escadaria. Apesar de simbolizarem sentinelas, eles viram subir os manifestantes e nem se mexeram na pedra, só bocejaram, certos de que aqueles que subiam, esganiçando-se - "Invasão! Invasão!" -, haveriam de descer. De facto, se lá no alto, na frontaria parlamentar, há duas estátuas, a da Justiça e a da Força, o que justificava o movimento ascendente, também há outras duas, a Prudência e a Temperança, que remeteram os nossos polícias para a base. 
Por cá sobe-se e desce-se em caracol, mesmo nas escadarias monumentais, somos terra de Manoel de Oliveira, o dos movimentos pacatos. Não somos terra russa de Serge Eisenstein, aquele que vendo uma escadaria logo sonha com couraçados Potemkin e revoluções e põe um carrinho de bebé a rolar por degraus... 
Para tudo ser bem nosso, o ministro podia ceder e fazer uma promessa aos sindicatos de polícia: diga-lhes que vai mandar instalar umas escadas rolantes em São Bento.
«DN» de 24 Nov 13

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Barro, a 2ª matéria-prima (1)

Por A. M. Galopim de Carvalho
DIZ O VELHO TESTAMENTO que, depois de ter feito o mundo, Deus pegou no barro e fez o homem. E o homem, depois de ter lascado a pedra, pegou no barro e fez o primeiro vaso.
Depois do sílex, a principal matéria-prima mineral foi o barro, com o qual os nossos antepassados do Neolítico começaram a fazer recipientes diversos, muito rudimentares, de início e, progressivamente, mais aperfeiçoados. (...)
Texto integral [aqui]

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23.11.13

O desnorte

Por Antunes Ferreira
QUINTA-FEIRA passada foi um marco no desnorte do (des)Governo. Foi o que pode considerar um dia horribilis. Se se entendesse necessário encontrar uma justificação para o que acaba de afirma, bastaria referir que nunca se tinham verificado em Portugal tantos desencontros na maioria parlamentar, no (des)Governo, na Presidência da República, na União Europeia e no Fundo Monetário Internacional. Resumindo: cada cabeça, cada sentença.
O dia começou mal, com o ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares a lamentar que nem sempre o que afirmam os responsáveis máximos dos organismos internacionais coincida com o que os técnicos da Troica depois defendem nas reuniões em Portugal. Pouco faltou para que Marques Guedes lançasse uma advertência à entidade de três organismos que vêm governando o nosso país: Falem em consonância, porra! Não o disse, mas se me  permitem extrapolo. (...)
Texto integral [aqui]

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Pimenta no próprio cu já não é romântico

Por Ferreira Fernandes
Em 1994, Florence, de 19 anos, e Audry, de 22, casal de anarquistas parisienses, cansaram-se de simples conversa radical. Com carabinas assaltam dois polícias para lhes roubar as pistolas. A ideia era atacar bancos, como "Bonnie and Clyde" e assim. O assalto aos polícias corre mal, têm de fugir, entram num táxi mas o taxista choca com um carro policial. Os cabeças quentes matam dois polícias e o taxista. São perseguidos, matam outro polícia e Audry também é morto. Meia hora, cinco mortos. A foto de Florence, olhos desafiadores, fascina a opinião pública. Nasce uma lenda. Os jornais (o Libération, jornal de causas, à cabeça) atiçam a fogueira da romântica anarquista (virão depois romances, filmes, bandas desenhadas). A heroína, calada durante o seu julgamento, eclipsa as viúvas dos polícias e do taxista, que ficarão sem resposta sobre o porquê da tragédia. 
Foi há 19 anos. Esta semana, um tipo entrou no átrio do jornal Libération, deu dois tiros num fotógrafo, que ficou em coma, saiu e deu mais tiros à fachada de um banco. O jornal entrou em transe: "Nós continuaremos!", disse o diretor, como se a liberdade de imprensa estivesse em causa. Primeira linha do editorial: "Horror absoluto", como se fosse Auschwitz... Ironia: o atirador foi o cúmplice que arranjou as carabinas a Florence e Aubry, em 1994. Um pobre diabo, com as mesmas ideias baralhadas. Mas desta vez os jornais, pelo menos o Libération, não vão cair na tentação de romantizar a coisa.
«DN» de 23 Nov 13

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22.11.13

Sócrates, O Macho Político

Por Maria Filomena Mónica 
AO LER A ENTREVISTA de Clara Ferreira Alves a Sócrates, vieram-me à cabeça três hipóteses: a) o entrevistado estava bêbado; b) o entrevistado imaginava ter futuro político; c) o entrevistado era louco. Não digo como responderia a este teste americano, mas uma coisa é certa: este senhor anda a difundir homílias pagas com o meu dinheiro, obtido através da contribuição audiovisual que, sem a minha autorização, o Estado inclui nas contas da EDP. Alguém reflectiu já na iniquidade de se dar a Sócrates tempo de antena? 
Mas vamos à entrevista. Há muito que a chamada «conversa entre homens» me fascina. Ao longo da vida universitária, aconteceu-me estar em reuniões onde apenas se sentavam homens, pelo que tive o privilégio de poder espreitar esse mundo recheado de palavrões machistas. Mais tarde, as escutas feitas pela PJ deram-me acesso a idêntico tipo de linguagem. Nada disto era feito em público: nas reuniões, os machos esqueciam-se de que eu ali estava, ao passo que, nas escutas, quem falava imaginava estar a comunicar apenas com seres igualmente misóginos.
O que surpreende na entrevista de Sócrates – para mais concedida a uma mulher – é o uso de palavras tão ordinárias quanto «filho da mãe», «gajos», «trastes», «pulhas» e «estupor», o termo usado para classificar o Ministro das Finanças alemão. Ao contrário de Rabecaz, de quem Sócrates descende em linha directa, não menciona o femeaço, mas, como aquele, julga-se uma fera. Ao ser forçado a deixar o poder, a ideia de ter de voltar à província apavorou-o. Temia que ali, como um lírio desfolhando-se numa caverna, o seu génio perecesse. 
Foi então que gizou um plano. Por que não ir até Paris, onde se matricularia num daqueles cursos, com nomes sonantes, que tinham dado fama à Faculdade de Sciences Po? Por que não passear-se, no Boulevard S. Michel, com um iPad debaixo do braço? Por que não comer croissants, ao lado de turistas americanos, na esplanada do Café Flore? Até já tinha um título, «A Confiança no Mundo», para a tese que tencionava escrever. Sim, porque ele era um optimista, não um covarde como Teixeira dos Santos, que se fora abaixo ao primeiro indício de não haver dinheiro nos cofres do Estado.
Havia contudo um óbice. Para se viver em Paris, era necessário cheta. O rendimento dos andares da mamã e um empréstimo da CGT resolveram o problema. Mesmo sem saber Latim, Grego, Francês ou Alemão, Sócrates tinha a certeza de que Kant o esperava à beira do Sena. Partiu com o espírito cheio de sonhos. Quanto mais se passeava pelos boulevards, mais desprezo sentia pelo país onde nascera. Nem a Presidência da República lhe parecia agora apetecível: «Não sinto nenhuma inclinação para voltar a depender do favor popular». Em vez de se submeter a eleições, o que desejava era continuar a jantar na Brasserie Lippe ao lado de «intelectuais». Antes, não sabia que existiam «vidas assim tão boas». Agora, que o descobrira, hesitava em regressar ao ninho. 
 «Expresso» Nov 13

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Hoje, derrubo grades, amanhã defendo-as

Por Ferreira Fernandes
Não gostei de ver os polícias a subir, como invasores, as escadarias da Assembleia da República. Não gosto de ver invasões da Assembleia da República, mesmo que só sob a forma de ameaça. As forças de segurança têm razões de protesto como a maioria dos outros portugueses. Mas não têm as mesmas possibilidades de exercer o direito a esse protesto. 
Há coisas que uns têm e outros não têm, e isso é assim não só por causa da injustiça com que o mundo está desorganizado; é também assim por causa de como o mundo tem, e tem mesmo, de ser organizado. 
Já é altura de todos entendermos esse relativismo. 
Os homens do lixo podem fazer uma greve total durante dois dias; já os médicos e os enfermeiros não podem. 
Os camionistas, na estrada, podem combinar parar em todo o País às 15.35 de um determinado dia; já os pilotos de avião, no ar, não podem. 
Se calhar já todos entendemos esse relativismo, sem que nenhum grupo social se sinta desapossado dos seus direitos. Ora os polícias, além de não poderem, como os restantes portugueses, derrubar as grades e galgar as escadarias como se fossem tomar São Bento, têm uma razão suplementar para não o fazer. É que, fazendo, permitem-se aquilo que não permitiriam aos outros cidadãos fazer, quando eles, polícias, estão a exercer a sua função profissional. 
Claro que deixo toda esta conversa no pressuposto de que o Estado de direito continua vigente. Mas se estamos em insurreição, já não está aqui quem falou.
«DN» de 22 Nov 13

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21.11.13

Apontamentos de Lisboa

Praça de Alvalade, 21 Nov 13
Já por aqui andaram, a olhar para este buraco e a meter fitas, a Polícia Municipal e os Bombeiros. Quanto ao Santo António, resta-lhe ir olhando, e matutando...

Pepsi, a sede que traz azar

Por Ferreira Fernandes
Os americanos permitem a contrapublicidade, isto é, uma marca pode dizer mal da outra. E está certo: sabendo que duas marcas são inimigas, o que dizem uma da outra só se formos tolos não pegamos com pinças... 
Um dos exemplos célebres de contrapublicidade aconteceu em 1984, num duelo da Pepsi e da Coca-Cola. Ambas quiseram contratar Michael Jackson e a Pepsi ganhou a corrida com cinco milhões de dólares. No New Generation, o vídeo publicitário que foi feito, o cantor dá os seus primeiros passos à moonwalker, passo da Lua, dando a ilusão de que recua deslizando. Mas, durante as filmagens, faíscas dos efeitos especiais incendiaram a cabeleira de Michael Jackson e ele sofreu graves queimaduras. A Coca-Cola aproveitou para fazer este anúncio: "Cara Pepsi, parabéns por teres contratado Michael Jackson. É pena é dares tanto azar..." 
O episódio antigo merece leitura atual. A Pepsi aproveitou a ida à Suécia de Cristiano Ronaldo para se meter com o português. Em anúncios suecos, amarraram-no a carris e espetaram-lhe agulhas vudu. Não foi, porém, jogo limpo como na contrapublicidade atrás referida. A Pepsi, que patrocina Messi, não lembrou que Cristiano Ronaldo faz anúncios à Coca-Cola - a ela só lhe interessou tirar partido da animosidade momentânea dos suecos pelo português. Mas a lição a tirar é que, com o contrário de passinhos à moonwalker, as cavalgadas fantásticas de Cristiano Ronaldo confirmaram que a Pepsi dá azar aos seus.
«DN» de 21 Nov 13

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João César das Neves (JCN) e o Faceboock

Por C. Barroco Esperança
A sanha contra JCN já levou à criação de uma página do FB «Correr com o César das Neves do DN, TV, Rádio e U.C. (Universidade católica)». Só falta pedir a exclusão do devoto, do próprio FB, do Banco de Portugal e da missa. A vocação censória iguala a do bem-aventurado e o senso aproxima-se do dele.
JCN diz muitas tolices? – claro que diz, e grandes, mas não fica sob a alçada do Código Penal. Acha que o ordenado mínimo deve ser reduzido e que os pensionistas são ricos? – De facto, ele pensa isso e revela a formação da madraça onde é aiatola, mas não sendo um pensamento digno, não é crime. (...)
Texto integral [aqui]

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20.11.13

Anúncio de gratidão

Por Ferreira Fernandes
Sim, futebol. Com muito gosto. Não para me fazer esquecer o que não é futebol, não. Mas por ser futebol, um prazer. Ver gente, e dos meus, a fazer bem feito. E, com Cristiano Ronaldo, a fazer com esplendor. Amália cantava assim e D. João II mandava assim. Sim, gosto de ver coisas boas (e tem de ser boa uma coisa que tantos amam e a ninguém humilha) tão bem feitas. Cristiano Ronaldo podia ser um dotado de toque bonito, e é, mas é mais do que isso. É a cavalgada que conquista, a vontade que se impõe. "Eu quero a relva que é tua", diz arrastando os adversários a mais do que eles podem dar. É bom, diz-me a garganta onde me explode um grito. Depois, golo feito, quando ele está lá nas suas celebrações - iguais às de Miguel Ângelo a martelar o joelho de pedra de Moisés: "Fala!" (os génios têm direito aos seus êxtases) -, eu acalmo-me e sonho. 
Sim, confesso, parto para lá do futebol. Como gostaria de ver tanto saber e vontade para lá dos 90 minutos. Como gostaria de ver os jornais (digo estes, porque são o meu trabalho, falaria de oficinas se fosse mecânico) feitos com tanta gana e talento apurado pelo treino. Como gostaria de ver chefes galvanizando a equipa. Como gostaria de poder ver obra mostrada com orgulho, como ontem Cristiano Ronaldo pôde mostrar. Ganham muito? Ganham, até demais. Mas isso é para a contabilidade. Eu falo da secção nobre, a do trabalho e obra feita. Aí, tiro-lhes o chapéu: obrigado rapazes de ontem! 
«DN» de 20 Nov 13

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Ano Propedêutico (1977-1981)

Por A. M.Galopim de Carvalho
COMPLETAM-SE, no próximo dia 23, trinta e seis anos sobre a criação do que foi designado Ano Propedêutico. Viviam-se anos felizes de renovação de um país, em liberdade, depois de quatro décadas de mordaça política e religiosa. Era ministro da Educação e Investigação Científica o jovem Dr. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia (1941-2006), no Governo do Dr. Mário Soares, sendo presidente da República o General António Ramalho Eanes. Foi um tempo em que a cultura, a integridade e a política andaram de mãos dadas. Foi um tempo de esperança que, depois, uma certa classe de políticos impreparados, bem intencionados uns, arranjistas outros, a coberto dos respectivos aparelhos aparelhos partidários, se encarregou de destruir. (...)
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19.11.13

Carta aos rapazes de logo à noite

Por Ferreira Fernandes
Um Mundial no Brasil é quase tão raro como o cometa Halley, que passa por cá de 76 em 76 anos. A Copa brasileira foi em 1950 e só para o ano torna a acontecer. Para um futebolista é probabilidade de uma vez na vida, ponto. Um Mundial no Brasil é um momento sagrado. Ainda hoje se ouve o silêncio no Maracanã, em eco pelo Rio e o Brasil, daquela tarde de 1950, quando o golo do uruguaio Ghiggia matou uma pátria em chuteiras. Um Mundial no Brasil não é uma dessas manhosas competições que traficantes desportivos marcam para o Qatar - é uma epifania, um encontro que se cola à vida de eleitos. É isso, rapazes portugueses de logo à noite, em Solna, Suécia. Ir ou não ao Brasil - decidam se querem ter o que contar aos netos. Nem vos alicio com a hipótese de poderem ser os primeiros futebolistas portugueses a ir a um Mundial no Brasil. Não serão. Já Eddie Sousa e "Clarkie" Sousa, açorianos e operários têxteis de Fall River, Massachusetts, lá estiveram em 1950, alinhando pela vulgar seleção dos EUA. Em Belo Horizonte, eles jogaram contra a Inglaterra, a inventora do futebol. Pela primeira vez esta fazia o favor ao resto do mundo de ir a um Mundial. Três anos antes, o império britânico perdera a joia da coroa, a Índia, mas naquela tarde perdeu um mito mais fundo: a seleção dos Sousa operários deu-lhes 1-0. Como eu vos dizia, um Mundial no Brasil atrai milagres. Rapazes portugueses de logo à noite, quereis perder a oportunidade de viver um?
«DN» de 19 Nov 13

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18.11.13

«Dito & Feito»

Por José António Lima
António José Seguro continua a mostrar-se cristalino nas afirmações e determinado nas orientações.
Há dias, em entrevista à TVI, quando questionado sobre o seu apoio a um programa cautelar de Bruxelas para proporcionar a Portugal um regresso assistido aos mercados a partir de Junho de 2014, Seguro foi rápido a dizer ‘sim’: «Não virarei as costas ao meu país e o PS estará lá com soluções». Para, logo a seguir, ponderar melhor e optar pelo ‘não’: «Não aceitarei se insistirem num programa com a mesma natureza» de austeridade que o actual. E, por fim, para não se comprometer e deixar tudo em aberto, preferiu ficar-se pelo ‘nim’: «Não posso pronunciar-me sobre um programa que desconheço». Ficámos, como sempre, todos esclarecidos.
À pergunta se o PS vai exigir eleições antecipadas em 2014, Seguro foi igualmente clarificador. ‘Não’, afirmou, afastando tal cenário: «Se o PS tivesse essa prioridade, teria agarrado a oportunidade» da crise de Julho, quando o Presidente avançou com essa proposta. Quer isso dizer que o PS tirou daí a ideia? Não é bem assim, esclarece Seguro: «O PS não muda de posição», quer mesmo legislativas antecipadas. E que tal já em Maio, em simultâneo com as europeias e antes mesmo de acabar o programa de ajustamento da troika? «É vantajoso» esse cenário, apressa-se a aprovar o líder do PS. Confusos? É apenas uma pequena amostra da maleabilidade oratória de António José Seguro.
Já o ressuscitado ministro da bancarrota de Sócrates, o agora comentador Teixeira dos Santos, não tem dúvidas de que a troika vai sugerir eleições antecipadas em 2014: «Não me surpreende que os nossos parceiros façam passar essa mensagem», até porque ela «abria a possibilidade de um entendimento entre partidos», PSD, CDS e PS.
Agora afastado dos corredores do poder, Teixeira dos Santos anda mal informado. A troika não quer eleições nenhumas nem mais incerteza política em Portugal em 2014. E até dispensa a assinatura do PS num eventual programa cautelar.
A haver legislativas em 2014 isso não ocorrerá por vontade da troika, de Belém ou por desejo do PS. Só poderá acontecer por intervenção do Tribunal Constitucional.
«SOL» de 15 Nov 13

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Sílex, a primeira matéria-prima

Por A. M. Galopim de Carvalho
DESDE sempre a natureza ofereceu ao homem tudo o que ele necessita para viver, - a água, o ar, os produtos vegetais e animais de que se alimenta e, ainda, as rochas e os minerais. Do sílex, no Paleolítico Antigo, ao actualíssimo “coltan”, passando pelo barro, pelos minérios de ouro, cobre, estanho, ferro e muitos outros, o homem teve artes de, ao longo do tempo, retirar da geodiversidade tudo o que soube utilizar ou transformar em seu proveito. (...)
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17.11.13

Luz - Bares nas arcadas da Plaza Mayor, Madrid

Fotografias de António Barreto- APPh

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A toda a volta desta magnífica praça, é possível encontrar bares interessantes. Em certos momentos do dia e em certos meses do ano, quando os passeantes e turistas não são às revoadas, esta praça é encantadora, discretamente majestática e ligeiramente austera. Mas, mesmo quando está cheia de gente, de vendedores ambulantes e artistas de toda a espécie, respira-se ali um ar de simpatia. Quem sabe se resulta da boa mistura da Áustria e da Espanha (2012).

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16.11.13

Apontamentos de Lisboa

Progresso é isto: intervir numa ciclovia (onde passa, em média, 1 ciclista por dia), provendo-a de um traço contínuo. Assim, os utentes que lá (não)passam num sentido já não estorvam os que lá (não)passam no outro.

"A Spielberg case"

Por Antunes Ferreira
EU BEM suspeitava que transportava comigo uma segunda derme, perfeitamente acoplada à pele, talvez mesmo indissociáveis ambas. Especifico: à minha pele; ou seja à minha epiderme. A este propósito e antes de me alongar (prometo que me encurtarei), venha a clássica consulta à Wikipédia. epiderme (do grego Επιδερμίδα epi+derme; em cima da pele) é a camada mais superficial da pele, ou seja, a que está directamente em contacto com o exterior. É um epitélio escamoso estratificado que actua como importante barreira do corpo em ambientes inóspitos, protegendo a pele contra infecções, perdas de calor e outras, nomeadamente em partes mais sensíveis, contra traumas.
Mas nunca pensei que essa duplicidade dérmica fosse suficientemente evidente para que outras pessoas a descortinassem. Como andava enganado? Aqui há uns dias, por obra de amigo comum, reencontrei o Ilídio Guedes, meu companheiro até à quarta classe (quando a havia). Daí para a frente nunca mais puséramos os olhos em cima dos outros do outro e vice-versa. Foi uma alegria, podem crer. Mas, depois, uma ansiedade, para terminar numa completa desilusão. Palavra puxa palavra, frase puxa frase e a dada altura, surdiu a clássica… e como vais de amores? (...)
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14.11.13

Quatro professores do ensino primário com Veiga Simão

Por C. Barroco Esperança
Em finais de 1970 ou princípio de 1971, na sequência de uma reunião de centenas de professores do ensino primário, demitiram-se alguns membros da comissão promotora, por discordarem da minha entrada, apressadamente conotada com o PCP, e exigida pela assembleia, na sequência da intervenção que fiz. Assim, passei a integrar a comissão em que permaneceram o Vital, o Lenine e o Abílio, três colegas de que esqueci os apelidos e que ainda é possível identificar.
Nessa altura passámos muitas noites a redigir as conclusões da reunião, um documento reivindicativo que o jornal República publicou na íntegra e a que, apesar da simpatia com que o acolheu, apontou justas insuficiências. Não faço ideia do texto cuja redação final assumi e que, apesar de pouco glorioso, merecia ser recuperado para memória das movimentações profissionais, em ditadura, que deram origem a movimentos sindicais. (...)
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Apontamentos de Lisboa

Alameda D. Afonso Henriques
13 Nov 13
Aceita-se que, durante uma campanha eleitoral, o espaço público seja sacrificado como "custo da democracia". Mas será curial que isso se mantenha, e indefinidamente, como sendo um direito adquirido ao serviço de uma força partidária?

13.11.13

«Dito & Feito»

Por José António Lima
Cavaco Silva mostrou-se «surpreendido por Portugal ser um pouco a excepção» à prática existente noutros países europeus «e até na nossa vizinha Espanha, de diálogo frutuoso entre as diferentes forças políticas».
E manifestou a esperança de que o Governo e a Oposição «acabem por reconhecer, perante a realidade dos factos, que é necessário que se sentem à volta da mesa e cheguem a um entendimento de médio prazo».
É louvável o continuado esforço do Presidente da República. Mas Belém já deve ter reparado que António José Seguro não está mesmo nada para aí virado, convicto de que só se manterá na liderança do PS e só chegará um dia ao poder se rejeitar todo e qualquer compromisso ou negociação com o Governo. Diálogo, para já, só de surdos.
Por outro lado, Cavaco Silva veio revelar-se espantado com os cenários que lhe apresentam de eleições antecipadas: «Já disse que é bom que Portugal seja na Europa um país normal e o normal na Europa, de que nós fazemos parte, é os mandatos dos Governos serem cumpridos» até ao fim. Caso contrário, não deixou de salientar o Presidente, «os outros olham para nós e os mercados também e dizem ‘aquele país até parece ingovernável’».
Aqui chegados, torna-se um pouco difícil seguir a lógica e a coerência do raciocínio de Cavaco Silva. Não foi ele quem propôs, no início do Verão, ainda não há seis meses, um ‘compromisso de salvação nacional’ entre PS, PSD e CDS que passava pela marcação de eleições antecipadas para 2014 e a manutenção, até lá, de um Governo a prazo, ferido de morte e sem autoridade política?
Nesse cenário, arquitectado por Belém e levado à cena pelo próprio Presidente, ‘os outros e os mercados’ não iam achar o país ingovernável? Portugal, que ia acrescentar eleições e incerteza política à crise económica e financeira, não seria visto como «um país anormal dentro da Europa»?
Cavaco Silva terá, seguramente, respostas para estas perguntas. Para já, pode ter a certeza de que o PS só despertará para a necessidade de entendimentos políticos a prazo no dia em que chegar ao Governo e se vir obrigado a aplicar as directivas de Bruxelas. 
«SOL» de 8 Nov 13

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A malta do «É igual ao litro!»

12 Nov 13
No Leroy Merlin, Sintra...

Apontamentos de Lisboa

Com o título «É de fazer chorar as pedras da calçada», o blogue Má Despesa Pública acaba de publicar esta foto (que eu para lá enviei), enriquecida com um certeiro comentário que se pode ler [aqui].
Actualização
Aqui se vê (em fotos tiradas ontem, dia 12, de manhã) como este nosso património é estimado: primeiro é feito, depois destruído, e por fim remendado.

12.11.13

Uma reflexão sobre a Reforma do Estado

Por António Barreto

Por que razão o tema da Reforma do Estado é actual?
A primeira razão parece quase circunstancial: a crise financeira dos Estados, a dívida pública e a crise das dívidas soberanas fizeram com que seja necessário repensar e reorganizar a despesa e a receita do Estado, numa altura em que já não se pode, em Portugal como noutros países, continuar a simplesmente aumentar os impostos e recorrer ao crédito. Novas soluções têm de ser encontradas. E logo vieram ao espírito várias hipóteses: diminuir a despesa, cortar no investimento e nas prestações sociais, diminuir a dimensão do Estado, baixar os desperdícios, etc. Em poucas palavras, diminuir e organizar melhor o Estado. Isso é uma coisa. Reformar o Estado é outra. Falta saber se são possíveis ao mesmo tempo. (...)
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10.11.13

Apontamentos de Lagos

Com as chuvas à porta, é preocupante ver linhas de água neste estado - e isso junto à Marina de Lagos, uma zona cara, e onde seria de prever que houvesse alguns cuidados acerca deste flagelo tão português.

A Decadência da França



Por Maria Filomena Mónica
TENHO uma amiga, cuja tia, através de umas velinhas eternamente acesas, é capaz de antever o fim do mundo. Há quinze dias, avisou-me de que o Apocalipse estava a chegar. Só depois percebi que se tratava do Orçamento de Estado para 2014, mas, por confiar nela, meti-me no primeiro avião que poisou na Portela. Aterrei em Paris, uma cidade onde há muitos anos não ia. Durante a anterior estadia tudo correra mal, com relevo para o estabelecimento, o Grand Hotel Taranne, que uns amigos francófilos me tinham indicado. O suposto hotel de charme, situado defronte do Café Flore, era uma pocilga asfixiante de onde fugi após a primeira noite.

Com a força que a raiva produz, bati à porta de todos os hotéis do bairro, tentando encontrar algum que dispusesse de ar condicionado. Foi assim que descobri o Hotel Madison, uma ilha de conforto. Eis a razão que me levou a, mais uma vez, o escolher. Quando entrei, notei que tinha sido renovado, mas o que realmente me espantou foi o desaparecimento do bidet. Depois de ter sido obrigada durante anos a aturar as risotas de colegas anglo-saxónicos sempre que se falava deste objecto, eis que a França, o país que o inventou, decidiu mandá-lo para o caixote de lixo.

O bidet apareceu no final do século XVII em França. Há quem diga que o seu inventor foi Christophe Des Rosiers, um marceneiro fornecedor da família real, mas nem isso se sabe. Mas pode-se afirmar, com um elevado grau de certeza que, devido à melhoria das canalizações, passou a ocupar um lugar especial nas casas de banhos dos ricos. Durante o século XX, os países latinos, com destaque para Portugal, adoptaram o objecto, sendo possível encontrá-lo em países tão distantes quanto a América Latina e o Médio Oriente. Reina, neles, um desejo de limpeza, que não se detecta em locais como a China, onde, segundo me contaram, o cheiro é pestilencial. Há ainda o caso dos EUA, que possui os melhores duches do mundo – um aparelho que a Inglaterra continua a desprezar – mas que só agora tem vindo a adoptar o bidet. Em suma, enquanto o objecto atravessa os oceanos, a França opta por dar cabo dele.

Já agora, vale a pena mencionar os disparates que, em matéria de casas de banho hoteleiras, grassa por todo o mundo. Há cerca de dez anos, fiquei numa pousada em Vila do Conde, onde sem instruções especiais, era impossível tomar um duche. Há dois, alojei-me, em Madrid, num hotel da Calle Serrano que, em vez de banheira, dispunha de uma espécie de cabine telefónica, onde existia um tubo, parecido com uma esferográfica, de onde a água saía a temperaturas imprevisíveis. No ano passado, fiquei num hotel de luxo em Barcelona, onde me era oferecido um tanque à romana, sem cortina a separá-lo, pelo que sempre que lá me metia, o quarto ficava inundado.

Os hotéis deram em brincar às modernices. Seja como for, o bidet tem de voltar a ocupar o lugar nobre que, ao longo dos séculos, manteve na tradição gaulesa. Pelo menos, até ao verdadeiro Apocalipse, aquele que ditará que a minha reforma será de dez euros e cinco cêntimos.
«Expresso» de 12 Out 13

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O Planeta Azul

Sob o olhar do cidadão comum, cada vez mais explorado e, por enquanto, resignado e ordeiro, a ganância insaciável do mundo das finanças não tem permitido o uso pleno de tudo o que de bom o “Planeta Azul” tem para nos dar.
Por A. M. Galopim de Carvalho

ESTAMOS a viver um tempo em que o saber científico e os recursos tecnológicos avançam a passos de gigante e, dia após dia, nos deslumbram. Apesar das perseguições de que foram alvo ao longo da História, em especial, no período que antecedeu o iluminismo, as Ciências da Terra não deixaram de crescer e são hoje pilares da sociedade moderna, facultando alavancas poderosas para o bem e para o mal, ao serviço de uma humanidade, a um tempo, sabedora e desencantada, à procura de um caminho que tarda em encontrar. 
Quem anda por dentro destas ciências sabe que elas são indispensáveis na procura e na exploração racional dos recursos energéticos e em matérias-primas, no planeamento do território, na construção de barragens, pontes e outras grandes obras de engenharia, na defesa do ambiente (cada vez mais ameaçado) e na prevenção face aos riscos sísmicos, vulcânicos e outros desastres naturais, com são as cheias, os deslizamentos de terras e as derrocadas.
Na sua caminhada de cerca de 4570 milhões de anos, na grande maioria, de mãos dadas com o mundo vivo, a Terra, o nosso berço e a nossa casa, facultou-nos tudo o que necessitamos para viver: um campo magnético que nos protege das radiações letais (raios X, raios gama, raios ultravioletas e outras) emitidas pelo Sol, o ar que respiramos, a água que bebemos e o chão que pisamos e nos dá o pão. 
Face as estas capacidades, a Geologia, a Mineralogia, a Paleontologia e as outras disciplinas que nos permitem conhecer o mundo em que vivemos acabaram por conquistar, em muitos países, estatuto de ciências de grandeza compatível com a sua real e grande importância no desenvolvimento sustentado, o que não é o caso em Portugal, onde permanecem subalternizadas nos currículos escolares e continuam arredadas da cultura geral dos portugueses, dos mais humildes e iletrados às elites intelectuais mais iluminadas.

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9.11.13

Os pinta-paredes (80)

Em Lagos, como em quase todo o lado, também há grafitos. Só que, por lá, predominam os deste género.

7.11.13

Mundo cão

Por Helena Matos
O que é mais importante: a morte de uma criança ou de um cão? Do cão, pelo menos a fazer fé nesta notícia do DN: «Mulher esfaqueou o seu cão por lhe matar a filha. Uma mulher inglesa esfaqueou, na terça-feira, o seu cão, numa tentativa de salvar a filha de quatro anos de ser fatalmente atacada pelo animal. No entanto, a menina, que acabou por ser atacada, morreu no hospital. Segundo as autoridades policiais, Jodie Hudson esfaqueou o seu cão Mulan, de cerca de oito anos, com uma faca de cozinha, após este ter atacado sua filha Lexi Branson, no apartamento onde viviam, em Mountsorrel, perto de Loughborough (Inglaterra). A menina, de quatro anos, acabou por morrer no hospital, devido aos ferimentos provocados pelo ataque do animal.» O destaque da notícia vai para o facto da mulher ter esfaqueado o cão. A morte da criança vem em segundo plano.
«Neste momento, estamos a investigar o caso para perceber toda a história do animal, o local de onde veio, como foi feita a sua inserção na família. E queremos, claro, entrar em contacto com o médico legista para perceber em que circunstâncias se deu a morte de Lexi”, disse Det Supt Sandall, em declarações ao site da BBC.» Da inserção da criança na família nem uma palavra. Sobre o facto de a família deixar a criança num apartamento ao pé do cão também nada. Vão investigar a morte do cão. Perceber toda a história do animal. E claro também falam com o médico legista para erceber como morreu a criança.
In Blasfémias.Net

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Vamos ajudar a Galp

Por Antunes Ferreira 
Há momentos na vida de um homem em que a tristeza e até a desilusão imperam por força das desgraças que acontecem a outrem. Pessoas e instituições que se lamentam da desdita merecem-me a afirmação de que estou com elas, lhes dou a minha solidariedade mais sincera, e que estou disposto – se tal for necessário – a enxugar-lhe as lágrimas. 
Ombro em que se amparem ofereço-lhes desinteressadamente, e nele podem estar certas que podem chorar as suas mágoas. Os amigos têm de ser assim sobretudo nas ocasiões mais difíceis. Por isso compreendo as lamentações, aliás justíssimas, dos que sofrem na carne e nos órgãos (refiro-me obviamente a entidades, as mais das vezes pouco habituadas ao negativo da vida e por isso mal preparadas para reagir ao descrédito) as inclemências e os desvarios que existem neste planeta azul. (...)
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O Sud Expresso e a pide (Crónica)

Por C. Barroco Esperança
Aquelas férias da Páscoa, em 1970, eram as primeiras após o regresso da guerra colonial e as últimas sem carro próprio. Foram limitadas a uma semana, pela necessidade de um segundo emprego, para sobreviver dignamente. 
 Lembro-me de telefonar para a estação de Santa Apolónia, a perguntar os horários dos comboios para Vilar Formoso. Foi longa a espera, primeiro para encontrar disponível a linha telefónica e, depois, para ser atendido. Finalmente, lá apareceu um funcionário que me deu todos os horários para o dia pretendido. E não eram muitas as escolhas. (...)
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6.11.13

Não deixem que vos roubem os sonhos

Por Baptista-Bastos
Poucas circunstâncias fazem prever o que nos pode acontecer. No entanto, há sinais, porventura escassos e pouco nítidos, que ajudam quem estiver atento. Sei umas coisas destas coisas, e aprendi que não há nada que se consiga sem luta, e que não há luta sem sofrimento. Venho dos bairros pobres e do tempo em que os miúdos como eu jogavam à bola descalços, ou com umas sandálias que os nossos pais mandavam capear com restos de pneus. Os pés feriam-se com pedaços de vidros de garrafa, com puas ou com pregos enferrujados; as sandálias tinham de durar pelo menos dois anos. Havia apenas magras formas de enfrentar o destino: resistir ou abdicar dos sonhos. Resistir seria tentar aprender com leituras nas bibliotecas operárias ou escolares; abdicar era seguir o fadário das oficinas, das fábricas, do trabalho penoso de oito, dez e mais horas, ou entrar na gandulagem: roubar, assaltar, agredir para sobreviver. 
Recordo-me de o meu pai a avisar: não permitas que te roubem os sonhos. Quis ser toureiro, pugilista, aviador. No fundo desejava fugir da tristeza viscosa daquela miséria. Dei nisto: num curador de frases, num cuidador de palavras que serão sempre as dos outros. O meu pai morreu à minha espera, assim como a minha avó, conhecida pela Palhaça. Um dia destes hei-de contar a história destas esperas, que contêm algo de sobressaltante e de misterioso. Um dia destes. Os meus filhos sabem-nas. Os meus netos têm de as conhecer. 
O Velho Bastos era tipógrafo, construtor de jornais, levemente anarquista, grande jogador de póquer e de burro americano. Amava o ofício, com a paixão de quem não sabe fazer outra coisa. Na oficina do Diário Popular colocava um rolo de papel atado no abdómen, para não sujar as calças de tinta, e transformava os caracteres tipográficos em qualquer coisa de grandioso. Suava em bica e era um homem feliz, porque sabia a importância gloriosa do seu trabalho. Aos sábados ia com os seus camaradas beber e petiscar nas tabernas da Mouraria, onde o vinho procedia directamente do lavrador. Numa dessas tabernas, um papagaio gritava: já pagaste, sacana?, quando os clientes saíam. 
Poucos conseguiram escapar àquele crisol de infortúnio. Que foi feito do Descasca Milho? E do Asdrúbal, cujo nome tínhamos dificuldade em soletrar? E do enfermeiro Baltazar que tratava das doenças venéreas que contraímos nos bordéis de Alcântara, do Bairro Alto e do Benformoso? Já foram, adiantando-se? O tempo revoluteia, e nada, ou quase nada é o que foi. A não ser a fome, o desespero, a desventura de viver que regressaram, num tumulto inclemente e perseverante. Reconheço que sou um senhor caturra, um pouco chato e invadido por múltiplas incertezas. Mas não deixo, não posso deixar de repetir as recomendações do Velho Bastos: não permitam que vos roubem os sonhos. Podem roubar-vos tudo. Os sonhos é que não.
"DN" de 6 Out 13

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5.11.13

Do sedimento à pedra dura (3)

Por A. Galopim de Carvalho
EM VIRTUDE da relativamente fácil dissolução dos calcários, acimentação dos depósitos carbonatados é fácil e, em termos geológicos, rápida. É esta dissolução, exercida em vastos sectores do corpo sedimentar formado ou em formação, que permite a circulação do carbonato e a sua precipitação noutros sectores, constituindo, em muitos casos, uma primeira fase da diagénese. Ao precipitar nestes vazios, o carbonato dá lugar a uma primeira geração de cimento, revestindo-lhes as paredes com finos cristais aciculares, a que se segue, por revestimentos sucessivos, a colmatação dos mesmos. Nesta fase do processo, há cristais que se formam a expensas dos que se dissolvem, de que resultam modificações, mais ou menos acentuadas, de textura da rocha. (...) 
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