23.1.07

Portugal, país de aeroportos

ESTA SEMANA será discutido e aprovado no Parlamento Europeu o relatório sobre a alegada utilização de países europeus pela CIA para o transporte e a detenção ilegal de prisioneiros, cujo relator é o socialista italiano Claudio Fava, sendo o presidente da Comissão Temporária o PPE português Carlos Coelho. Como por encanto, em Portugal, os protagonistas deste assunto foram o ministro Luís Amado, a eurodeputada Ana Gomes e José Lello, membro do secretariado do PS para as relações internacionais. E às vezes pode haver diferença entre relações e assuntos internacionais. A Comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia da República, presidida por Vera Jardim, teve uma intervenção positiva ao convocar uma audição sobre os procedimentos de segurança nos aeroportos, mas limitou-se não prosseguindo com o assunto em agenda. O resultado está à vista.
O projecto de relatório de Claudio Fava, que eu li na versão de 28 de Novembro p.p., era deveras rico em dados mas muito irregular na enumeração do comportamento das autoridades dos Estados membros associados ou candidatos, quer quanto à utilização dos seus territórios para os voos em questão, quer quanto ao grau de colaboração com a referida Comissão Temporária do PE. Reside nesta diferença de critérios a grande fragilidade política do relatório em causa, como se explicitará no fim do artigo.
A fazer fé nos considerandos do projecto de relatório, esta comissão obteve, "de fonte confidencial, registos da reunião transatlântica informal entre a UE e os ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO, à qual assistiu a secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice, em 7 de Dezembro de 2005, confirmativos de que os Estados membros tinham conhecimento do programa de entregas extraordinárias e de prisões secretas", informação confirmada por outras fontes oficiais durante o primeiro semestre de 2006.
Estamos, pois, perante um caso de rara porosidade de entrega de registos confidenciais que, no meu entender, só pode provir de uma forte discordância, ao mais alto nível das relações transatlânticas, sobre o método seguido pela Administração Bush de estabelecer uma rede de centros de detenção secretos fora das fronteiras dos EUA, para onde se transportariam clandestinamente prisioneiros suspeitos de estarem implicados em actividades terroristas, num sistema de "entregas extraordinárias", ou "extradições extrajudiciais" (extraordinary renditions). Deste modo, os prisioneiros sofriam um desaparecimento forçado em tudo contrário às normas dos direitos humanos, das Convenções de Genebra e de todo o direito internacional na matéria. Tudo isto, repare-se, para que as autoridades norte-americanas não infringissem as suas próprias leis de procedimento penal e judicial no seu próprio território!
A conjugação dessas discordâncias no tratamento dos prisioneiros a alto nível externo norte-americano com a reacção de desagrado de responsáveis europeus pelo uso "imperial" dos países do Velho Continente para ajudar ao trabalho sujo - que as leis dos EUA excluem do seu ordenamento jurídico interno - permitiu objectivamente que o PE tenha levado para a frente essa espécie de inquérito que muito o valoriza. Este enquadramento permite-nos compreender melhor o papel do PE na matéria e, de forma mais penosa, a observação do que aconteceu entre nós. É verdade que o projecto de relatório, na apreciação que faz do comportamento das autoridades de alguns países, elogia "a boa cooperação do Governo alemão, que prestou informações preciosas", e congratulou-se com a do Governo espanhol, "nomeadamente o testemunho prestado pelo ministro dos Assuntos Exteriores à comissão temporária". Para Portugal, reserva um frio registo da criação de um grupo de trabalho interministerial, pelo MNE, para examinar os procedimentos seguidos e as eventuais lacunas existentes nos aeroportos portugueses, além de "encorajar" a Procuradoria-Geral da República "a investigar mais profundamente estes voos".
Mas será caso para este Governo tomar as dores dos outros que o precederam, tanto mais que Durão Barroso e Santana Lopes nunca foram ouvidos pela comissão temporária sobre a matéria? E como se explica o facto de essa comissão não mencionar sequer essa lacuna, tanto mais que o faz em relação ao antigo Governo italiano de Berlusconi, contemporâneo de Barroso, Portas e Santana?
Ou muito me engano ou quase toda a verdade sobre os voos da CIA será revelada ao mundo pelos próprios americanos.
José Medeiros Ferreira - «DN» de 23 Jan 07 - [PH]

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A comissão temporária do Parlamento Europeu sobre a CIA aprovou, esta terça-feira, o seu relatório final, onde insta as autoridades portuguesas a investigar casos de possíveis vítimas transportadas pela secreta dos EUA via Portugal.

Nesta documento, a comissão manifesta «profunda preocupação» com o número de escalas assinaladas em território português e lamentam que as autoridades portuguesas não tenham respondido a todas as questões colocadas pelos eurodeputados.

Entre os sete pontos dedicados a Portugal, consta uma proposta da eurodeputada Ana Gomes, que viu ser consagrada neste relatório uma crítica à recusa dos ex-ministros Paulo Portas e Figueiredo Lopes ao convite para se encontrarem com a comissão.

Para além de estar preocupada com as 91 escalas em território português de aviões da CIA, a comissão lamentou ainda o surgimento de uma lista que o «governo português não informou» de 17 escalas nos Açores de aeronaves de e para Guantanamo, entre 11 de Janeiro de 2002 e 24 de Junho de 2006.

A comissão pretende que as autoridades portuguesas investiguem mais a fundo esta questão para que se possa saber se existe lugar a indemnizações como no caso de Abdurahman Khadr, que terá feito escala em Santa Maria a 7 de Novembro de 2003, quando era transportado entre Guantanamo e Tuzla, na Bósnia.

De fora deste relatório ficou qualquer referência ao actual presidente da Comissão Europeia, como pretendia o eurodeputado italiano Giusto Catania, que entende que o governo português então liderado por Durão Barroso estava informado sobre a natureza dos voos da CIA.

As críticas a uma eventual «atitude não cooperante» do ministro da Defesa Luís Amado também acabaram por ficar de fora do deste relatório, que saudou o encontro de 6 de Dezembro com o ministro dos Negócios Estrangeiros e o facto de o governo ter fornecido documentos e explicações.

Apesar disto, a comissão lamentaram que as autoridades portuguesas «não tenham conseguido ou tenham sido relutantes» em responder a todas as questões levantadas pela comissão que visitou Portugal.

Com este relatório, é colocado fim aos trabalhos desta comissão temporária, presidente pelo eurodeputado português Carlos Coelho, e que foi criada há cerca de um ano para averiguar a alegada utilização da CIA de países europeus para o transporte e detenção ilegal de passageiros.

Este documento será agora entregue à apreciação do Parlamento Europeu, que vai analisar o documento na sessão plenária de 12 a 15 de Janeiro, relatório que ainda poderá ser alvo de modificações antes de ser votado pelos deputados
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12:04 / 23 de Janeiro 07

23 de janeiro de 2007 às 15:33  

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