9.1.08

O fascismo anda por aí

Por Baptista-Bastos
FLAUTEANDO UMA FRASE DE PACHECO PEREIRA, e apavorado com a "tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder" do Executivo, António Barreto escreveu no Público [6. Janeiro, p.p.] um artigo, cujo conteúdo estilhaça o tom ameno e, até, conciliador, que lhe é habitual. Aflito, o conhecido sociólogo diz: "Foram tomadas medidas e decisões [sic] que limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos. A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos. A vigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se." Vão por aí fora, o pesado estilo e a rude acusação. Nunca, como agora, as vozes convergiram no apontar de excessos "autoritários" e em alvejar a infausta acção de um Governo sem sensibilidade, sem remorsos e sem grandeza.
Na recolhida sombra da minha prosa desalinhada e chã tenho procurado cumprir, com modéstia e aplicação, o dever que cabe a um autor sem amos e sem vis desígnios - dar com o sarrafo nas iniquidades do poder. Não estou isento, eu também, de levar umas ripadas, desferidas por quem não está de acordo comigo para estar de bem com o Governo. Malhas que o império tece...
A minha beligerância é conhecida. A do António Barreto, não; pelo menos até agora. Aparenta um homem de palavra grave, porém macia; um sociólogo propenso à mansidão da pesquisa e à quietude do gabinete; um cronista de comedida, acampado na serenidade do velho estilo e da antiga gramática. Ei-lo, então, fulminante, a tanger as cordas do conflito: "Não sei se Sócrates é fascista. Não me parece, mas, sinceramente, não sei." A frase não é pacífica e revela-se na ambiguidade da conclusão.
Se, por exemplo, eu escrevesse: "Não sei se Sócrates é malandro. Não me parece, mas, sinceramente, não sei" - a dúvida proposta nas locuções misturar-se-ia às meias-verdades sussurradas ao ouvido de outrem. É a intriga em marcha.
As inquietantes frases do Barreto excitam a imaginação dos detractores de Sócrates, suscitam a repulsa dos apaniguados, o sorriso dos adversários, a apreensão dos antifascistas e, acaso, a perplexidade do visado. E, também, a ira do José Manuel Fernandes, assinalado director do Público. Num editorial atravessado por transversais críticas a outros preopinantes, e abonando-se em Bento XVI, Stuart Mill, Coleridge e Isaiah Berlin (não sei se falhei algum outro), o Fernandes demonstra-nos a sua apoquentação com as críticas a "algumas leis e iniciativas do Governo". Não são algumas: são aquelas que têm imposto a radicalidade de uma "democracia administrativa", e retirado aos outros a autoridade da razão.
Não acredito que Sócrates seja fascista. Mas que o fascismo anda por aí, lá isso...
«DN» de 9 de Janeiro de 2008

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1 Comments:

Blogger joshua said...

António Barreto é, indiscutivelmente, um homem suave e manso e, se endurece o tom, fá-lo precisamente devido à sua sensibilidade sociológica que extravasa a parte técnica para atender à concretude humana, escutando-a directamente e aos seus efeitos. Não é um escritor passível de envenenar por envenenar. Está alerta e faz-nos alerta pela profilaxia da palavra. Nada mais.

O José Manuel Fernandes, armadilhado com o florilégio de citações de que dás conta, excede-se na defesa de José Sócrates talvez porque, neste momento, se tece um círculo de fogo de desgaste e de intolerância em torno dele e dos seus Ministros menos 'pedagógicos', gerado, de resto, por ele mesmo e alguém tem de o defender, mesmo pelo excesso de literatura quando há defeito de Razão.

Nestas coisas, porém, (e já o vimos) não é o líder o problema. O problema é o exemplo, o tom, os sinais do líder, envergados pelos que com ele se identificam e que os levam aos excessos impiedosos de zelo que se traduzem em desumanidade e intimidação implícita.

Os que foram denunciados em 2007. Os que passam tácitos e ocultos então como agora. Afinal de contas, o Medo cala e o calar, longe de consentimento, espelha antes a chantagem mínima de um dia-a-dia com trabalho ou sem ele, por exemplo.

Abraço Forte
PALAVROSSAVRVS REX

9 de janeiro de 2008 às 23:48  

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