12.9.08

Ninguém

Por João Paulo Guerra

O velho Gil Vicente, mestre das artes de trabalhar os metais e de burilar as palavras, na sua admirável presciência, pressentiu a cerca de 500 anos de distância certas sinuosidades da política portuguesa do início do século XXI. Foi no entremez “Todo-o-Mundo e Ninguém”, do “Auto da Lusitânia” (1532). Ora vejamos.
O CHEFE DO ESTADO já mandou publicar uma nota, que um jornal considerou “um puxão de orelhas” a um ministro. Sectores das oposições já pediram, mais que as orelhas, a cabeça do ministro. O próprio ministro já se justificou perante a nota e a Nação. E toda esta farfúncia por causa de algo que o ministro não disse. Não disse, explicitamente não disse. Com efeito, falando do atraso na trasladação de polícias para o terreno, o ministro não disse que tal se deveu a um veto do chefe do Estado. Mais. O que o ministro disse, isso sim e expressamente, foi que “a culpa não é de ninguém”. Ora agora, usando a fórmula vicentina, “todo-o-mundo” acusa o ministro e “ninguém” é responsável.
A questão é que no “ninguém” do ministro “todo-o-mundo” viu uma crítica ao chefe do Estado. E isto num momento sensível das relações entre São Bento e Belém, que tem escala pelos Açores e passa à beira da lei do divórcio. Tudo isto porque, em Portugal, a política faz-se com o diz que diz-se, com meias palavras, por outras palavras, por metáforas, catacreses, sinédoques, sugestões, sopros e trolarós. E é assim que mesmo quando “ninguém” diz, “todo-o-mundo” julga ter ouvido.
Agora, calcule-se o que o vicentino mestre da oratória, criador do “Auto da Lusitânia”, faria com a matéria-prima de toda esta “Romagem dos Agravados”?! Um renovado “Auto da Feira” ou mesmo uma segunda via da “Floresta de Enganos”!
«DE» de 12 de Setembro de 2008 - c.a.a.
*
Actualização: o passatempo inicialmente aqui proposto (a propósito de Gil Vicente) foi desdobrado em dois: o 1.º, em que se perguntava o nome do auto que deu origem a esta crónica, já tem vencedor; há agora um outro prémio, igual, para quem souber dizer qual o nome do autor do livro cuja capa aqui se mostra. Actualização-2: o 2.º também terminou.

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8 Comments:

Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

NOTA: Num dos seus programas, António Vitorino de Almeida dizia não acreditar que o Gil Vicente ourives (autor da Custódia de Belém) fosse o mesmo Gil Vicente, autor de teatro.

Argumentava ele que eram profissões muito díspares, que o nome Gil Vicente era muito frequente na época, e que houve várias pessoas famosas assim chamadas.

12 de setembro de 2008 às 12:14  
Blogger cristina said...

Auto da Alma.

12 de setembro de 2008 às 12:30  
Blogger Joao said...

auto da lusitânia

12 de setembro de 2008 às 12:30  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Francarol:

A sua resposta à pergunta (que, entretanto, foi modificada porque está logo no cabeçalho do texto!) está certa.

Nas próximas 48h, escreva para sorumbatico@iol.pt, indicando morada para envio do livro.

--
Há um outro prémio igual para quem souber dizer o nome do autor do livro.

12 de setembro de 2008 às 12:35  
Blogger cristina said...

J. Letria

12 de setembro de 2008 às 12:49  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Antes de prosseguirem as respostas, pede-se a Cristina que esclareça:

J. Letria... Mas qual deles?

O José Jorge Letria? Ou o irmão, Joaquim, contribuidor deste blogue?

12 de setembro de 2008 às 12:54  
Blogger cristina said...

José Jorge Letria

12 de setembro de 2008 às 13:11  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Cristina,

Certo!

Nas próximas 48h, escreva então para sorumbatico@iol.pt, indicando morada para envio do livro.

12 de setembro de 2008 às 13:14  

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