30.1.17

O CLIMA E A PAISAGEM NATURAL, numa “conversa” com D. Manuel l (*)

Por A. M. Galopim de Carvalho
Dias depois da interessante “conversa” que tivéramos no Centro Cultural de Belém, surgiu à minha frente o Rei Venturoso, estava eu sentado num banco do Jardim Público, frente ao Palácio de D. Manuel, em Évora.


- E o que vos traz hoje aqui, Alteza? – Perguntei.
- Como sabes, os nossos navegadores alcançaram terras em todas as latitudes, onde se lhes depararam as mais diversas paisagens. Dos campos gelados da Groenlândia ao sertão africano e aos mares de coral do Pacífico Sul, muitas são as descrições que me chegaram desses locais e das suas gentes. Hoje não há palmo de terra que não tenha sido percorrido e estudado por geógrafos.
- E também, importa dizer, por geólogos.
- Porquê uma tal diversidade de paisagens? É uma pergunta que sempre me ocorreu e que gostaria de ver respondida.
- Esse tema sempre me interessou. Acho que, em linhas muito gerais, poderei dar-vos essa satisfação. Começarei por dizer que as diferentes paisagens da Terra, em qualquer momento da sua história, foram e são sempre reflexo do enquadramento geológico das respectivas regiões e do clima que sobre elas exerce os seus efeitos,
- Vamos por partes. – solicitou D. Manuel.
- Entende-se por enquadramento geológico de uma região a natureza das rochas que lhes servem de substrato e o modo como estas se dispõem, ou seja, a sua estrutura.
- Explica-me lá, melhor, isso da estrutura, se fizeres favor.
- É muito simples. Basta citar alguns exemplos. Umas rochas são homogéneas e maciças, como o granito. Estas podem apresentar-se mais ou menos afectadas por fendas a que chamamos diaclases e que permitem que a água as penetre mais ou menos, com inevitáveis consequências no processo de alteração a que estão sujeitas. Outras rochas ocorrem estratificadas, em camadas mais ou menos paralelas entre si. Estas camadas tanto podem estar horizontais, indeformadas, como podem exibir as mais diversas deformações causadas por esforços próprios da dinâmica interna do planeta, dobrando ou fracturando as respectivas rochas.
- Acho que estou esclarecido desse pormenor. Continuemos, então.
- Faça sol ou faça chuva, faça frio ou calor, são expressões vulgares de alusão ao estado do tempo que, certamente, conheceis. E o estado do tempo é, afinal, a manifestação perceptível do clima. Informações sobre o clima chegam-nos diariamente através dos boletins meteorológicos, transmitidos pela televisão, pela rádio, pelos jornais e pela net.
- Isso é um privilégio dos dias de hoje. – comentou o monarca. - No meu tempo era a experiência de alguns que nos permitia fazer a previsão desse tipo de fenómenos. Previsão que se tornava do maior interesse na navegação. 
- De facto, as coisas estão hoje muitíssimo mais facilitadas. Actualmente a previsão meteorológica é feita com recurso a satélites e às mais sofisticadas tecnologias, incluindo modelos obtidos em computadores. Mesmo assim, são muitas as vezes em que se verifica estarem erradas 
- Eu sei isso, porque ouvi uma entrevista com o teu amigo Anthymio de Azevedo, ilustre meteorologista a que todos os colegas reconhecem grande saber nesta matéria.
- Mas continuemos. Mais precisamente, o estado do tempo, num dado lugar, é uma manifestação local de uma realidade mais vasta, à escala do nosso planeta, a que chamamos clima. Em termos muito simples mas rigorosos, entende-se por clima o conjunto de fenómenos próprios da atmosfera, na interactividade que estabelece com os oceanos e com as terras emersas, nas quais a latitude, a altitude, a interioridade e a cobertura vegetal têm papel mais visível. 
- Continua, que estou a gostar.
- Pressão atmosférica, temperatura e humidade do ar são factores de clima condicionados pela energia radiante do Sol. 
- Deixa-me fazer aqui um parêntese para te falar de Nicolau Copérnico, um polaco do meu tempo que revolucionou o saber antigo acerca do Sol e da Terra. Era crença antiga, vinda dos Gregos, que o nosso planeta estava no centro do universo. Era esta a visão proposta por Cláudio Ptolomeu, no século II, e que a Igreja adoptara e defendia, uma vez que nos valorizava, colocando-nos no centro do mundo. 
- Era a chamada Teoria Geocêntrica.
- Ora acontece que foi no tempo do meu reinado que surgiu a Teoria Heliocêntrica que, contra a verdade da Igreja, retirava essa distinção à Terra, colocando o Sol no centro do sistema solar e o nosso planeta a girar à volta dele. Foi esse matemático e astrónomo polaco o autor desta visão revolucionária que, ao contrário do que seria de esperar, não suscitou, na altura, grande reacção por parte dos doutores da Igreja.
- No imediato, não. Mas todos conhecemos a reacção da Igreja quando Galileu, quase um século depois, tomou a sua defesa e quando, mais tarde, em 1616, condenou a obra de Copérnico e a incluiu no Index da Sagrada Congregação.
- Voltemos, então, aos factores do clima.
- Estes factores são responsáveis pelas situações de tempo quente ou frio, de tempo chuvoso ou de neve ou, pelo contrário, de tempo seco. São, ainda, responsáveis pela existência de ventos, não raras vezes catastróficos, tal a intensidade que chegam a atingir. O clima condiciona a meteorização das rochas, isto é, a sua alteração superficial, determina a génese e evolução dos solos, regula a erosão e transporte dos materiais erodidos (sedimentos), bem como a ocupação vegetal e animal, incluindo a humana. 
- Muito interessante! – exclamou D. Manuel
- São as manifestações do clima que, conjugadas com a natureza geológica dos terrenos, determinam, ao fim e ao cabo, o tipo da paisagem que nos rodeia e todas as outras de todos os lugares da Terra. 
- Estou a gostar de te ouvir, Peço-te que continues.
- A geologia revelou que, ao longo dos milhares de milhões de anos do nosso planeta, a mudança das paisagens foi uma constante. Praticamente imperceptível à dimensão temporal de uma vida humana, esta mudança tem pouca expressão no tempo histórico. Não se nota diferença entre os campos e as montanhas nem entre os Invernos e os Verões do Portugal do vosso tempo e os de hoje, passados quase cinco séculos. Mas esta mudança existe, é notável e está bem testemunhada à escala do tempo geológico. - Aí está uma imagem bem elucidativa, “A paisagem é um sistema dinâmico, só aparentemente estático. É como um simples fotograma de um filme.” Escreveu o americano Don L. Eicher, em 1970. 
- Belíssima imagem essa! – Comentou o monarca.
- Imensamente lenta, uma tal mudança deve-se, por um lado, a causas internas, como são os enrugamentos, os levantamentos e os afundamentos da crosta, as migrações de continentes e o vulcanismo. Deve-se, ainda, à acção dos citados factores de clima, com destaque para os promotores da erosão no seu sentido mais amplo, isto é, envolvendo processos como alteração e desagregação das rochas aflorantes e evacuação dos materiais erodidos. Estes mesmos factores de clima condicionam, ainda, a acumulação dos sedimentos em determinados locais propícios à sedimentação.
- Com uma explicação tão simples e clara, tudo se torna evidente. – Disse el-rei, satisfeito.
- Continuando, podemos afirmar que só há erosão na Terra porque há energia solar e porque temos uma atmosfera e uma hidrosfera, duas entidades susceptíveis de captar e veicular essa energia e de a transformar no dinamismo necessário aos processos geológicos e biológicos ocorrentes à superfície. O nosso satélite, embora receba o mesmo tipo de energia, não dispõe destas duas entidades, pelo que não exibe qualquer actividade superficial, para além da resultante dos antiquíssimos impactos meteoríticos. As suas paisagens são as mesmas desde há mais de 3000 milhões de anos.
- Interessante!
- As massas de ar diferentemente aquecidas pelo calor solar dão origem à circulação atmosférica, processo que se traduz no vento. Nas baixas latitudes, nomeadamente nas regiões intertropicais, a incidência dos raios solares aproxima-se e atinge a perpendicular. O Sol está a pique, como vulgarmente se diz, e aquece o ar mais do que nas latitudes polares. Nestas, a incidência desses raios é muito oblíqua e, até, rasante, pelo que a temperatura do ar é aí muito mais baixa. Esta diferença de aquecimento faz com que o ar quente suba e o ar frio desça, sendo essa uma das causas da circulação atmosférica. 
- E há outra?
- Outra causa é a própria rotação do planeta. 
- Isso também parece lógico.
- Por outro lado, a evaporação da água à superfície dos mares, rios e lagos e a resultante da transpiração da cobertura vegetal, uma realidade bem visível nas vastas florestas equatoriais, quentes e húmidas, fornece humidade suficiente para formar nuvens que o vento transporta e descarrega como chuva ou neve, consoante as temperaturas locais. É, em grande parte, a esfericidade do globo terrestre e a consequente variação da latitude que determinam a zonalidade climática de que toda a gente tem noção, ainda que sumária e empírica. 
- Disso eu já tinha consciência.
- Mas há outros factores que interferem nessa zonalidade, entre os quais a interioridade, ou seja, a proximidade ou afastamento face ao litoral, a altitude, a existência ou não de barreiras montanhosas que impeçam a passagem de ventos húmidos e, ainda, a orientação dominante do vento nas fronteiras terra/mar.
- Estou plenamente elucidado e satisfeito. Obrigado. 
- Foi um prazer, D. Manuel.
Queria perguntar-lhe como era a Évora do seu tempo, mas o monarca, assim com chegou, desapareceu
(*) - Adaptado do meu livro “Conversas com os Reis de Portugal”, Âncora Editora, 2008

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3 Comments:

Blogger Ilha da lua said...

Que conversa tão agradável e tão profícua ...Não entendo como o Sr.D.Manuel teve coragem para desaparecer.., Obrigada Professor pelos seus textos,que ajudam a amenizar os dias frios de Inverno

30 de janeiro de 2017 às 21:50  
Blogger 500 said...

Que bela estória, simultâneamente simples e complexa.

30 de janeiro de 2017 às 23:05  
Blogger José Batista said...

Vale a pena ler o livro e oferecê-lo para que outros o leiam.

1 de fevereiro de 2017 às 10:40  

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