21.6.18

O desprezo pelo futuro

Por C. B. Esperança

A minha geração é a última que vive melhor do que as anteriores e ninguém se preocupa com o futuro dos filhos ou a herança que vai deixar aos netos.

O consumo não é apenas a vertigem de quem mede o prazer pelos benefícios imediatos, é a bitola com que cada um disputa a superioridade a que se julga com direito. Há quem considere ilimitados os recursos do Planeta e seja alheio à imensa maioria, sem acesso a água potável, ar saudável, alimentos ou saúde, sem paz, nem sequer direito à vida.
Quem tira um curso e adquire conhecimentos à custa do investimento de todos, julga-se no direito de não retribuir. Somos o produto do logro que julga imparável o crescimento e inesgotáveis os recursos, legítima a acumulação de bens e tolerável a pobreza.
A bomba demográfica continua a explodir e a multidão de miseráveis cresce. A cegueira de governantes cujo poder lhes garante a impunidade arrasta-nos para o abismo e deixa-nos impotentes face à dimensão da tragédia que já está aí, o ar cada vez mais poluído, a água a rarear, os mares a morrerem, os desertos a avançarem e os refugiados a abalarem aflitos para países onde as súbitas alterações, étnicas e culturais, estimulam o confronto, fomentam o medo e conduzem à exclusão e à barbárie.
O bem-estar é tanto mais precário quanto menos forem os favorecidos e tão mais injusto quanto menos sustentável. Há uma correlação direta do fosso que se agrava entre países ricos e pobres, e o que separa as pessoas dentro de todos e cada um deles.

Quando as exigências têm por base mais a inveja do que as necessidades e se ignoram os que não podem sequer gritar, atraem-se os vendavais que varrem os benefícios que o acaso e as circunstâncias permitiram.

O castigo raramente é aplicado a quem merece, e serão os vindouros a sofrer o que nós fazemos, a carecerem do que esbanjámos e, sobretudo, do que não nos esforçámos por lhes deixar, ar, água, segurança, emprego, saúde e alimentos.
Herdam arsenais destruidores, se não forem utilizados antes, e os maus exemplos com que os países ricos vivem o presente, indiferentes ao futuro, de que se desinteressaram, e à obsolescência do modelo económico em que insistem.
A minha geração negou a felicidade como herança.  

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5 Comments:

Blogger SLGS said...

CBE, concordo com o essencial, por verdadeiro, de tudo o que diz, mas permito-me discordar um pouco quando afirma: "A minha geração negou a felicidade como herança".
A sua geração, que também é a minha, deslumbrou-se com a perspectiva de "felicidade" que se lhe apresentou após a 2ª Guerra Mundial. Os avanços tecnológicos que surgiram provocaram uma ilusória imagem de um mundo novo e feliz e, "bêbeda" de desejo, quis viver essa ilusão que julgava sem fim. Só muito tarde se consciencializou que não era assim. Que seriam muito graves as consequências futuras da sua vida desregrada. Voltar atrás, corrigir, é agora muito difícil mas está.se a tentar algo. como que a pedir desculpa aos vindouros e até a sua ajuda para atenuar a nossa culpa.
Concluindo quero deixar claro que, em minha opinião, não negámos intencionalmente a felicidade futura porque nós, ao vivê-la no nosso tempo,não nos apercebemos da sua finitude.

21 de junho de 2018 às 16:24  
Blogger Carlos Esperança said...

SLGS:

Não afirmei que foi deliberada a intenção: "A minha geração negou a felicidade como herança".

Parece-me que estamos de acordo e certamente lamentamos mutuamente que haja governantes insensíveis e amorais, capazes de agravar deliberadamente a finitude da felicidade. § Obrigado pelo comentário que subscrevo.

21 de junho de 2018 às 17:17  
Blogger José Batista said...

Concordo inteiramente, com imensa preocupação. Sim, as gerações actuais caminham para o abismo. Não há suporte científico de que alguma espécie biológica não venha e extinguir-se, mais tarde ou mais cedo. Mas que uma só espécie, a do «Homo sapiens» altere tanto e tão rapidamente aquilo que são condições ecológicas e sociológicas que permitem a sobrevivência dos seus filhos e netos, é difícil de aceitar,ainda por cima se pensarmos na capacidade humana para o raciocínio, a análise, a sensibilidade, a generosidade...
Há quem pense, com argumentos de peso, que o ponto de não retorno já terá sido ultrapassado. Que bom seria que estivessem enganados!
Mas os sinais, desde a política, à «cultura», à educação, aos movimentos sociais, à economia, à indústria da guerra... não são nada animadores. E não vale a pena iludirmo-nos. A fotografia que ilustra o texto é elucidativa. O que se passa em Portugal em matéria de incêndios, também...

21 de junho de 2018 às 19:39  
Blogger SLGS said...

CBE,sem dúvida que estamos em sintonia e,por mim,subscrevo a importante achega de José Batista. Saudações para ambos.

21 de junho de 2018 às 21:42  
Blogger Ilha da lua said...

Concordo com a opinião do CBE e com o comentário do JB Não foi com deliberada intenção que a nossa geração negou a felicidade como herança Nós fomos uma geração generosa que passámos por vários acontecimentos históricos Tentámos fazer o melhor...Sonhámos com um mundo mais pacífico e justo..,Mas, fomos ultrapassados pelos avanços tecnológicos,que,como tão bem diz o SLGS provocaram a ilusão de um mudo novo e feliz...Para quem tanto lutou como nós,afinal,à distância de um click,qual varinha mágica,tudo se resolveria...Apesar,dos sinais ameaçadores,que se vislumbram um pouco?por toda a parte,ainda tenho esperança,que impere o bom senso nas novas gerações

22 de junho de 2018 às 12:17  

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