22.2.19

Os Gloriosos Estádios Portugueses

Por Joaquim Letria
A rádio que ouvi num táxi falava, entusiasmada, no facto da Câmara Municipal de Braga ter as contas bancárias congeladas por dívidas por pagar. Pelo que percebi, e de acordo com uma breve entrevista transmitida com o actual Presidente da Câmara de Braga, o calote prende-se com a obra monumental do Estádio da Pedreira, cuja concepção ainda não há muito tempo o arquitecto Souto de Moura se queixava de não ter recebido. Agora vão perguntar aos bracarenses se querem vender o estádio, possivelmente aos galegos…
Claro que o presidente da Câmara de Braga teve o cuidado de dizer, na referida entrevista radiofónica, que a responsabilidade da situação era do seu antecessor, ao mesmo tempo que sublinhava que o pessoal que agora trabalha na Câmara podia estar descansado quanto ao recebimento dos respectivos salários, a tempo e horas, pois esta triste situação não tinha como correspondência um “government shut down” à Trump. Já os fornecedores, explicava o presidente, teriam de ter ainda mais um bocadinho de paciência para receberem o devido.
No meio da trepidação do táxi lisboeta que me transportava e a conversa do motorista que se não calava, percebi então que a entrevista radiofónica tinha seguido para a macro economia, com um interessante diálogo ao nível da alta finança em que se explicava como o estádio em questão, cujo orçamento rondaria a quantia de 65 milhões de euros, teria resvalado para o número actual de 170 milhões de euros, o que na conversa era atribuído a uma derrapagem que, aliás, o presidente da Câmara previra em textos oportunamente escritos acerca de imparidades.
Saí do táxi, deixei que os órgãos do corpo humano regressassem às suas naturais posições, esperei que o apito nos ouvidos se recompusesse e fiquei a matutar. Não só no que acabara de ouvir como também numa interessante palestra dum professor universitário alemão que se pronunciou, com elegância, acerca da passividade dos portugueses, atribuindo-a à falta de educação, à precariedade, às condições de vida, aos baixos salários e à necessidade do duplo emprego.
Pensei como é possível até hoje ninguém ter reagido ao escândalo da construção dos dez estádios de futebol para serem palco praticamente de um jogo cada um, alegadamente para o campeonato da Europa, os quais custariam ao todo mais de 600 milhões de euros para estarem hoje devolutos e alguns a apodrecer. E ninguém disse nada à pouca vergonha de construírem três estádios desses a menos de 60 quilómetros de distância entre cada um deles – Coimbra, Aveiro e Leiria. Que bonzinhos que os portugueses são…
Não só ninguém reagiu como ninguém foi preso. Enfim, depois da Expo, esta foi a grande obra portuguesa do actual secretário-geral das Nações Unidas, em cujo governo estagiou a equipa dos ministros de Sócrates afim de se preparar para os dias de hoje.
Publicado no Minho Digital

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Uma farra, que pagamos com língua de palmo, que afectará os jovens de hoje e, pelo menos indirectamente, os filhos deles.
Em Braga, segundo contas lineares que fiz aqui há uns meses, depois de ler declarações do presidente da câmara a um jornal, encontrei um valor de quota mensal a pagar ao financiador (pela câmara municipal, claro) de cerca de 900 euros por... hora!.
Nada mal, para quem recebe.
Claro que, depois, se estimula a populaça com a ideia de que o Braga pode aspirar à conquista do campeonato e outras inanidades do género. Como se isso resolvesse o problema das dívidas. Sobretudo se pensarmos que o clube paga à câmara uma espécie de renda que (me dizem que) é de cerca de 500 euros por... mês.
Sobra para os munícipes, que pagam e não bufam. E um ou outro que não vá na cantiga é como se não existisse. Como também não existem ordens de prisão para os grandes gatunos que operam em Portugal.

22 de fevereiro de 2019 às 21:55  

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