18.3.19

«Atenção aos Sinais!»

Colaboração no CORREIO DE LAGOS de Fev 19
Um dia, numa Feira das Indústrias que eu visitava por dever profissional, deparei-me com um ‘stand’ onde se exibia um vídeo publicitário que recorria a um filme de Charlot, projectado na típica velocidade exagerada e com a inevitável música de piano.
A sequência era curta: o herói encostava uma escada a uma árvore, subia por ela acima e sentava-se para comer o parco almoço encavalitado num ramo. Mas este partia-se, e ele não tardava a vir parar cá abaixo — com a bengala para um lado, o almoço para outro.... mas mantendo sempre o chapéu-de-coco no seu lugar.
Em seguida, e uma vez obtido o interesse da audiência, era-nos explicado que, embora tudo se tivesse passado muito depressa, nada fora instantâneo: as fibras do ramo tinham começado por ser forçadas, depois haviam rompido uma a uma, e só mais tarde é que a ruptura sucedera. O objectivo era, então, vender uns dispositivoscapazesde detectar sinais precursores de colapsos, com a filosofia de que, regra geral, os desastres são precedidos por SINAIS detectáveis, podendo ser evitados ou, pelo menos, minoradas as suas consequências.
*
Muitos se lembrarão das cheias que assolaram os arredores de Lisboa em 1967 (mais de 700 mortos!), do desastre de Entre-os-Rios em 2001, dos incêndios de 2017, e do recente drama de Borba. Em todos esses casos, e poderia citar muitos outros, os SINAIS não faltavam, assim tivesse havido quem os soubesse ler.
É, pois, inevitável observar pela mesma óptica outras realidades — e destaco a revolta dos coletes amarelos, em França, pois julgoque se o “poder” estivesse mais a par das realidades do país teria visto os SINAIS, e percebido que algo de muito grave estava prestes a suceder. 

Não terá havido, acima de tudo, um claro e perigoso “descolar” dos eleitos face aos eleitores? Sim; por esse mundo fora, quantos deputados, ministros, autarcas, dirigentes partidários e sindicais — que mal saem dos seus gabinetes e sedes — conhecem o dia-a-dia e as dificuldades do cidadão comum que, por sinal, lhes paga ordenado, quando não as mordomias? Quantos deles sabem o que é estar um dia inteiro na Segurança Social, 6 horas nas urgências hospitalares, outras tantas nas Finanças... para já não falar nos CTT ou num Centro de Saúde? 
Quantos deles alguma vez trabalharam numa empresa da “economia real”, gastando horas em transportes, com a obrigação de picar o ponto, aturar colegas invejosos e chefes incompetentes, ter de justificar até um pedido de uma esferográfica, lutar por um aumento de ordenado ou mesmo pelo posto de trabalho... enfim, tudo aquilo que faz a vida real de uma pessoa normal? Alguns, certamente; mas não muitos, aposto.
*
Todos os pesadelos que atrás referi senti-os eu na pele, quando morava e trabalhava em Lisboa. Felizmente, em Lagos, a vida é mais pacata, mas também aqui sinto que os governantes da cidade se afastaram dos munícipes, com quem se relacionam de uma forma distante e sobranceira, exibindo uma auto-satisfação que apenas se pode tolerar aos génios e aos super-competentes — o que, pelo menos a meu ver, não é o que temos, por estes lados...

Etiquetas: ,