12.2.21

MEMÓRIAS E SAUDADES

Por Joaquim Letria

Esta coisa de viver meio confinado e com justas preocupações pela saúde de familiares e amigos leva-nos a fugir, de vez em quando e quase sem dar por isso, para memórias e saudades, algumas das quais são recordações distantes que regressam sem explicação.

Foi deste modo estranho que dei comigo a lembrar-me agora dos franceses a perorarem em Hanói, território da francofonia, com cabo-verdianos e guineenses a observarem aquela comunidade presunçosa de intelectuais, através da qual eu soubera que o meu amigo Emmanuel Dongala, um dos melhores escritores da língua francesa do século XX, encontrara os braços abertos de Philip Roth que o despachou para a paz do Bard College, em Massachusetts.

Foi aí, não muito longe de Boston, que Emmanuel passou a viver com um visto que o reconhecia como Professor Universitário Convidado. Ali, no meio do verde da relva e do vermelho escuro dos tijolos, deixando perder a vista atrás de irrequietos esquilos, Dongala voltou a ensinar Química e Literatura Africana de Língua francesa.

Dongala, que conhecia a minha paixão por Brazzavile, onde nos conhecêramos, dera-me notícias tristes sobre o estado daquela que outrora fora uma das mais bonitas, delicadas, acolhedoras e cosmopolitas capitais de África e que então fora reduzida “a escombros, só escombros, faz lembrar Berlim em 1945”, dissera-me ele. ”Dos milhares de livros da minha biblioteca não salvei muitos mais do que uma dúzia”, acrescentou, explicando que naquele tempo houvera cinco meses de combates com milhares de mortos pelas ruas e que ele e sua família se salvaram por mero acaso.

Conhecera Dongala pouco antes de ele ter ido a Paris apresentar o seu último livro, “Os Putos Nascem das Estrelas” onde conta a história do Congo. O escritor optara por apresentar essa narrativa através do olhar falsamente inocente duma criança.  O autor de “Uma espingarda na mão e um poema no bolso” não tinha intenções de saír de Massachusetts. Hoje perdi-o de vista, sei que continua por lá, mas tenho saudades daquele bom amigo com quem viajei por África. Oxalá tudo esteja bem com ele e que todos aqueles que puderem que o leiam.

Publicado no Minho Digital

1 Comments:

Blogger José Batista said...

Sugira um ou dois livros dele, disponíveis em português, caro JL. Eu nunca li nada desse autor, fui ao «google» e fiquei na mesma...
Se não lhe der incómodo, claro Obrigado. Abraço.

12 de fevereiro de 2021 às 22:47  

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