1.6.07

A QUADRATURA DO CIRCO

Carta aberta de um pobre beduíno
Por Pedro Barroso
SR. SÓCRATES. O senhor impressiona-me.
Vossência é um homem bonito. Jovem, alto, atleta. Grisalho prematuro. Desempenado. Forja estudada para politico de sucesso. Vencedor. Engenheiro de aviário, ao que parece, mas enfim, caramba, engenheiro! E mais!... Ai de quem o conteste!
Vossência desculpe mas, tirado a esquadro, não tinham conseguido melhor. Caramba!
Antes de si, por outro lado, nunca teriam conseguido pior.
Surgiu, pois, como um salvador. Salvé!
MAS… anda a surgir um problema.
Vossência desnorteou.
O Senhor – que tem neste momento poder absoluto como Luís XIV – congela salários; progressões de carreira; permite aumentos de bens essenciais; sabe que os portugueses ganham cada vez menos; têm os carros mais caros da Europa; têm da gasolina mais cara do Mundo; têm discriminação e censura na rádio e TV; sabe que o mérito não compensa, nem sequer interessa; sabe que governa um país onde a corrupção, desde o futebol, à rádio, à televisão, aos jornais, às autarquias, ao fiscal das obras, é um mundo de nepotismos e influências instalado, residual e sem desalojamento à vista; sabe que a gasolina é um negócio de milhões; insiste na Ota como credo e pai-nosso de Estado; oscila entre um ar de seriedade e a gaffe monumental; comanda os destinos da Nação com um pulso de algema para os pobres e classe média; com perdão fiscal por atraso na cobrança para os super-ricos; persegue professores; retira subsídios aos polícias; retira benesses aos reformados; eclipsa maternidades – o pessoal que nasça aos pulos pela estrada fora…; reduz hospitais e centros de saúde – o pessoal que morra pelo caminho…; fecha escolas, condenando interioridades a serem ainda mais interioridade; exige sacrifícios e impostos aos que precisam e baixa impostos aos Bancos; apoia o Prof. Morais, contra todas as óbvias e preclaras evidências; abafa de tal modo o escândalo Freeport que já ninguém se lembra; desloca e ocupa professores com tudo, menos tempo docente; é contra a descida do Iva; de qualquer imposto; é a favor de uma inflação acima do que o Estado paga em aumentos; ameaça funcionários públicos com 20 ou 30 anos de serviço com um despedimento ilegal, disfarçado de passagem a supranumerários; baixa a comparticipação nos medicamentos a doentes e idosos; permite a subida desenfreada de água, luz, gás, pão, leite…; queixa-se da crise energética e de recursos naturais, mas nada faz para criar centrais de dessalinização ou aproveitamento eólico real; corta subsídios à agricultura, a iluminação aos monumentos e o horário de visitas aos museus, para não pagar horas extra; brinca com a reforma das pessoas, que contrataram uma coisa e agora impõe-lhes outra; quer polícias a correr na rua e funcionários motivados, a ganharem mal, até aos 65 anos, sem futuro, nem prazer, repletos de frustrações e injustiças, a tempo de morrerem junto dos netos de forma educada e feliz; nada decide sobre o TGV; demora dois anos a decidir sobre o fumo do parceiro do lado no meu prato; mete a ponte Trafaria-Algés na prateleira mais alta dos projectos futuros, apesar de ter privados interessados em pagarem-na na totalidade; subsidia chulos sob a forma de rendimento mínimo e subsídio para doença, por serem dependentes da droga. Processa quem o insulte; reinstituiu a delação. Tudo a seu gosto.
Mas Vossência, agora, deslumbra. Anda requintando.
Permite que os seus Ministros se orgulhem dos baixos salários que auferimos; permite que larguem o Governo da Nação para acudir a urgências partidárias; tolera que ministras da Educação se gabem de ter unido todos os professores contra si; tolera que uma Ministra da Cultura… perdão… onde?!...enervei-me e perdi-me… obnubilei-me!
Mas mais!
Vossência agora permite que cidadãos sejam insultados por Ministros, pelo simples facto de viverem onde não são chamados – na execrável margem sul de Lisboa, sem escolas, nem colégios, nem habitantes, nem comércios, nem restaurantes, nem nada! Bimbos. Cidadãos de segunda!
Todos os que de nós estamos pagando a hipotecazita da casa – cuja renda vai inexplicavelmente subindo todos os meses já reparou?... – Neste lado do mar, escorraçados pelos preços da grande Lisboa, agradecemos penhorados a sua habilidosa desvalorização do que tão esforçadamente pagamos!
Depois das declarações serôdias e inteligentes, ao que parece, estamos no caminho da destruição terrorista, do desenvolvimento zero e somos todos provavelmente zombies retardados, sem ninguém sequer para falar. Não há cafés... nada!
E, sem escolas sequer, será que aprendemos a escrever?!
E, já que nada há, então, cabe perguntar: - de quem será a culpa?
Sr. Sócrates, imploramos a revalorização do nosso investimento, sabe porquê?
Porque a comadre Miquelina do meu tio Evaristo, noutro dia, sempre muito atenta ao que os senhores dizem na Televisão, atirou-lhe com maus modos:
“-Na Caparica?! O quê? Em Almada?! Barreiro?! Montijo?! Seixal?! Alcochete?! Moita?! Tu está mas é doido! Isso não tem gente nenhuma, nem restaurantes, nem nada! Dizem que nem sabem ler! Ainda por cima, parece que a Ponte qualquer dia é deitada abaixo pelos terroristas; aquele senhor já esteve a avisar na Televisão! Nah! Ali é que nunca tu me apanhas! Aquilo é um deserto!”
Pois.
E a casita que eu comprei lá passou a valer menos 20 % com esta alegre brincadeira!
Bimbo que eu sou! Pobre beduíno!

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3 Comments:

Blogger Fernando Martins said...

Texto fantástico - é pena é que seja tudo verdade, para mal do nosso país...

3 de junho de 2007 às 12:07  
Anonymous Anónimo said...

Muito bem escrito.

4 de junho de 2007 às 00:05  
Anonymous Anónimo said...

Infelizmente, tudo verdade. Mesmo na cauda da Europa, alguns são mais cauda que os outros...

4 de junho de 2007 às 14:13  

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