8.7.07

PERDIDO POR MIL?

Por Nuno Brederode Santos
EM LISBOA, arrancou a campanha eleitoral. Dir-se-ia que o instinto primevo do eleitor que mora em nós levaria aos paroxismos da excitação colectiva, ao entusiasmo juvenil de vergar o mundo à nossa vontade ou, pelo menos, à catarse da vingança contra quem nos irritou. É o que diz ou sugere a vulgata democrática, é o que mostram os media e é o que corre nas veias dos comícios. Por isso mesmo, é também a fé dos novos activistas.
Porque a campanha inebria e não raro cria ilusões. A participação física numa multidão de circunstância transporta-nos em paixões e cóleras que não são nossas, mas que o cinzentismo das ideias, a simplicidade das palavras e o rugido dos aplausos agigantam e impõem às almas mais disponíveis. Depois, num efeito boomerang, o eco atordoante da plateia é devolvido à tribuna e faz ferver o ego e a retórica do orador. Por fugaz que seja, entre o demagogo e a multidão há sempre um caso de amor. Felizmente, as mais das vezes, infértil.
Mas, no cruzeiro da vida democrática, dificilmente a (já) pequena multidão que os comícios reunem é linearmente representativa do eleitorado. Entregue ao dia a dia de rotinas e automatismos que escolheu para satisfação das suas necessidades, o eleitor guarda distância, não só física, mas também crítica. Na sua grande maioria, o eleitorado não está lá. Não é envolvido no embalo emocional. Não cria uma fidelidade. Guarda o máximo de disponibilidade para as urnas, incluindo a própria decisão de lá ir (pois prezar a titularidade do direito de voto não é o mesmo que prezar o seu exercício).
Claro que, com trinta anos de experiências eleitorais, os "batidos" da política de rua sabem disto. Sabem que a campanha é necessária, porque faz prova de vida (e, por vezes, saúde). Mas joga-se sobretudo na atitude - e é dela que o eleitor, à boca das urnas, guardará memória. Por isso, António Costa posa em S. Francisco e Helena Roseta em Madre Teresa. Carmona Rodrigues ("foi estroina, mas é pachola") faz de Princesa Diana. Ruben de Carvalho joga combativamente no um-a-um do Padre Américo. Sá Fernandes apresenta-se Catão. Para bons ou maus resultados, todos parecem guardar a serenidade e a contenção de quem não confunde a plateia dos seus comícios com o eleitorado do concelho.
O intrigante, aqui, vem da candidatura do PSD.
Não tanto do candidato. Fernando Negrão é um recurso e surgiu naturalmente impreparado. Já disparatou com siglas, invocou Setúbal e aterrorizou S. Mamede com a aventesma de um jardim suspenso sobre o Rato. Mas ele faz-se. Assim o não impeça a campanha que o partido lhe impõe. O problema parece estar mais em Marques Mendes. De facto, o líder do maior partido da oposição, intervindo com frequência na campanha (o que só lhe fica bem), não sai de um registo reviralhista e nacional, como se não reconhecesse os problemas de Lisboa. É claro que ele pretende ser alternativa ao primeiro-ministro, e não ao candidato do PS à Câmara de Lisboa. Mas o seu discurso é tão centrado nos apelos à "punição" do Governo que dá aos lisboetas a ideia de que os seus problemas não são tidos em conta, antes são instrumentalizados por uma lógica de legislativas.
Isto num cenário, pelo menos plausível, de derrota, é muito arriscado. Primeiro, por permitir ao adversário vir a reivindicar, para os resultados, um alcance maior do que o verdadeiro e legítimo, que é o municipal. Segundo, porque a lógica nacional da campanha transfere, do candidato para ele próprio, a usura da derrota.
Ora Marques Mendes traz consigo uma vida de militância partidária. Não é um novato. Sabe tudo isto muito bem. E, assim sendo, esta sua escolha só pode ser um "perdido por cem, perdido por mil". Uma dramatização de um mau resultado em Lisboa, que ele já não crê poder contrariar, a servir de justificação política para umas "directas" partidárias antes do congresso que a oposição interna pretende convocar. Mau agoiro para o PS, que decerto gostaria de o ter pela frente em 2009.
«DN» de 8 de Julho de 2007 - [PH]

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1 Comments:

Blogger Eme Saúde said...

Mais vale que perca agora o PSD em Lisboa e obrigue a directas para eleger o novo secretário-geral do PSD. Ganha o país uma oposição mais forte e fresca para as legislativas.
http://cadeiradopoder.blogs.sapo.pt

8 de julho de 2007 às 17:54  

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