10.6.11

As bocas da Ana

Por Antunes Ferreira

QUE TERÁ PASSADO pela cabeça de Ana Gomes quando disse o que disse sobre Paulo Portas? Há quem avente que se tratou de desequilíbrio momentâneo, há quem comente que foi combustível em excesso, há, ainda, quem afirme que a ex-diplomata regressou às origens, o que quer dizer a uma juventude esquerdista, para não dizer mesmo ultra-esquerdista. Aceito que possa haver mais hipóteses. O caso não é para menos. As afirmações foram, no mínimo, abstrusas.

Antes do mais, não gosto de Paulo Portas. Não o conheço pessoalmente, lembro-me de me ter com ele cruzado duas ou três vezes na porta de serviço da RTP na 5 de Outubro, por mor dos comentários que ambos ali fazíamos, separadamente, como é óbvio. E também me recordo do que foram os seus tempos à frente de O Independente, para mim uma página negra da Imprensa em Portugal. Ou melhor, muitas e negríssimas.

As suspeitas que sobre ele se foram levantando no que concerne às suas actividades profissionais, a acrescentar aos artigos impiedosos do semanário que havia fundado com Miguel Esteves Cardoso, são suficientemente conhecidas, desde o chamado caso Moderna até aos mistérios quase insondáveis dos submarinos para a Armada, aparentemente por carência de sondas… de profundidade.

Especialista na dramatização das questões políticas – o seu percurso desde a alegada social-democracia até ao dito centrismo aí está a prová-lo – Portas tem vindo a demonstrar a forma habilidosa, mas muito inteligente, como manobra nos terrenos partidários, nos diversos órgãos públicos por que passou e em que vai continuar a participar. Protagonista nato, o líder do CDS-PP é uma figura incontornável e, como todas elas, objecto de considerações as mais diversas, ou mais inquietantes.

Eis senão quando, no rescaldo das eleições gerais do dia 5 deste mês que iriam desembocar na coligação maioritária da Direita, surgem, inauditas, as declarações de Ana Gomes. A euro-deputada socialista afirmou alto e bom som e perante os microfones e as câmaras televisivas o que é do conhecimento público.

Que, em resumo, avisou Passos Coelho para não aceitar Portas no futuro executivo face a estar em causa a «idoneidade pessoal e política» deste último. Mas a parlamentar avançou ainda com outras afirmações realmente para lamentar. E como lhe tivesse sido posta a questão por um jornalista de o dirigente centrista nunca ter sido condenado judicialmente que justificasse a «interdição» por ela apresentada, respondeu com o caso de Strauss-Khan.

«Também não havia nada que inibisse o senhor Dominique Strauss Kahn de ser director do FMI(…) E, no entanto, toda a gente sabia que o senhor Dominique Strauss Kahn tinha comportamentos pessoais altamente reprováveis, que tinham repercussões na sua vida politica e profissional, e que poderiam ser comprometedores para o seu país, que hoje passa por uma tremenda humilhação».

O aqui-d'el-rei instalou-se cá por estas bandas e pelos vistos vai prosseguir e aumentar. E, entretanto, veio a público que Paulo Portas pediu ao advogado António Garcia Pereira para avaliar as declarações da socialista Ana Gomes e só depois decidirá se vai agir judicialmente contra a eurodeputada. Isto está a aquecer. Com o tempo inconstante que vai fazendo valha-nos este calorzito já estival. Como a pescada, que antes de o ser já o era.

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