28.2.14

Jornalistas sóbrios e manchetes alcoólicas

Por Ferreira Fernandes 
No DN colaborou em tempos Fernando Pessoa, um bêbedo. Um tipo que era apanhado, não poucas vezes, em flagrante de litro. Para desculpa do DN, naqueles tempos ainda não havia o arsenal de leis purificadoras que permite, hoje, o Correio da Manhã (salve, ó bíblia dos costumes morigeradores!) tirar os seus jornalistas da perdição. Um jornalista tipo CM vai para uma reportagem e salta-lhe ao caminho o advogado da empresa: "Fulano, vamos lá ao nosso exame de deontologia!" O advogado aponta a linha reta feita a giz que o jornalista, de braços abertos, tem de percorrer sem bambolear. Exame conseguido, o jornalista já pode ir fazer, por exemplo, a manchete de ontem do CM: "Pai de Sicrano em fuga por tráfico de droga". Não importa que o Sicrano, de 19 anos, não tenha culpa dos tráficos do pai. Leva com o seu nome, o traje de trabalho (Sicrano é jogador de futebol) e a foto na primeira página. Algumas almas piedosas podem não achar isto bonito, mas o importante, não é?, é que aquela manchete não foi feita por um bêbedo. Um jornal com manchetes alcoólicas, fontes anónimas e jornalistas sóbrios. E, suspeito, talvez outros jornais lhe sigam o exemplo. Infelizmente, eu, que sempre bebi pouco, tenho de declarar que nunca soprarei o balão numa redação. Cruzei-me com alguns camaradas talentosíssimos e bêbedos, e, esgotadas todas as tentativas de lhes chegar às canelas, quero guardar a última esperança de o conseguir com uns copos. 
«DN» de 28 Fev 14

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