QUANDO OS POLÍTICOS TINHAM MEDO DA TV PURA
Por Joaquim Letria
QUEM TENHA idade para isso recordar-se-á, certamente, da
novela da Globo, extraída da obra de Jorge Amado, “Gabriela Cravo e Canela”
fazer parar este País.
Até a Assembleia da República, que na época ainda arrastava
a qualidade das bancadas da Constituinte, com deputados de grande gabarito e
uma mão cheia de excelentes tribunos capazes de conferirem um interessante
tempero a um período político fascinante – tudo incomparável com a deplorável situação actual –parava, ou
modificava os horários das suas sessões
para que os deputados pudessem ver a novela e o público não perdesse nem uma
coisa nem outra.
Lembrei-me desta história saudosa – da ficção audiovisual e
da política nacional – porque a BBC revelou agora no seu site uma história
interessante que deve ter valido a vitória dos Trabalhistas de Harold Wilson em
1964,ano em que eu já frequentava Londres com afinco mas ainda lá não morava.
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Conta então a BBC no seu website que Harold Wilson se
apercebeu de que a BBC se preparava para transmitir, na noite das eleições de
1964, um episódio da “sitcom” “Steptoe and Son”, uma comédia que punha diante
dos televisores 26 milhões de britânicos de cada vez que ia para o ar. O chefe
dos trabalhistas receou então que o seu eleitorado ficasse em casa para ver a
série em vez de se dar ao trabalho de ir às urnas fazer valer o seu voto.
Numa iniciativa até então nunca vista, Wilson foi a casa de
“Sir Hugh Greene,o director-geral da BBC, para lhe pedir que não transmitisse
aquele episódio naquela noite, mudando o dia e o horário. O então dirigente da
BBC interrogou-se, mais tarde, numa entrevista só então conhecida, se a sua aceitação
deste pedido não teria custado a vitória dos socialistas e a derrota dos
conservadores. Em 1982, Sir Hugh contou este episódio nessa mencionada
entrevista, tal como ainda hoje consta dos arquivos da corporação.
Recorda Sir Hugh Greene:
“Wilson fez-se convidado a vir a minha casa para tomar uma
bebida. Vinha muito irritado por a BBC ter programado umas repetições de
programas e um episódio daquela série coincidir com o dia das eleições. Sugeriu
então que isso se destinava a manter os eleitores do Labour afastados das
urnas. E chegou a dizer tratar-se duma conspiração contra ele. Respondi-lhe que
estava certo de que ele sabia que isso era um disparate e que o que dizia não
fazia sentido e claramente disse-lhe que retirava o que dissera e pedia desculpa
pelas suas afirmações, ou não valia a pena conversarmos sobre o que quer que
fosse. Bebíamos um copo e ficávamos por ali”.
“Wilson pediu desculpa, retirou o que disse e discutimos
então o problema. No dia seguinte discuti o assunto com a Direcção da BBC e
chegámos facilmente à solução de transmitir o “Steptoe and Son” depois das 21
horas, quando as urnas já estavam encerradas, depois da votação.
Telefonei a Wilson dando-lhe a conhecer a decisão. Disse-me
ficar muito agradecido e que essa decisão lhe valeria 20 lugares no Parlamento.
Ele viria a ganhar por uma diferença de quatro votos e fiquei a pensar que a
minha decisão tivera efeito na história política britânica. Os trabalhistas
acabaram assim com 13 anos de Governo conservador através da mais pequena
maioria desde 1847”
Esta entrevista de Sir Hugh Greene encontra-se no site da
BBC e é um projecto conjunto com a Universidade de Sussex que envolve a
digitalização de centenas de horas de entrevistas com políticos britânicos e
dirigentes da BBC. Wilson também deu uma entrevista para este projecto,
reconhecendo que a BBC havia sido “absolutamente prestável ao Partido
Trabalhista. E não deixou de fazer graça, contando que quando Greene lhe
perguntara o que queria que transmitisse, lhe respondera:” Uma
tragédia grega, de preferência no original”
Etiquetas: JL
1 Comments:
Lá está a prova de que os políticos nunca temeram a tv mas antes viram nela um instrumento poderoso para manipular o povinho. E desde então, a carneirada nunca foi tão obediente
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