OCEANOS versus MARES
Por A. M. Galopim de Carvalho
“Assim
fomos abrindo aqueles mares
que geração alguma não abriu..."
(Luís de Camões)
que geração alguma não abriu..."
(Luís de Camões)
Em
linguagem corrente mar e oceano confundem-se muitas vezes, sendo estes dois
termos usados indiscriminadamente. Desde cedo, na escola, a partir da
geografia, interiorizámos que os oceanos são grandes e profundos e que os mares
são mais pequenos, menos profundos, ladeando os continentes e, normalmente, sem
limites que os separem daqueles.
O termo
mar chegou-nos do latim mare, a parte líquida do Mundo, em oposição a terra,
sólida. Esta dualidade foi julgada existir no nosso satélite natural, cujas
planuras basálticas, escuras, foram vistas como maria (mares, no plural), ao
contrário das regiões montanhosas, anortosíticas, mais claras, designadas por terræ
(terras, no plural). O termo oceano chegou-nos do grego okéanos, através do
latim oceanus, o grande mar.
De utilização mais erudita, traduzindo a ideia de mar ou de oceano, o termo
grego thalassa encontra-se, por exemplo, na expressão talassoterapia, o
tratamento de certas enfermidades através de banhos de mar. Pantalassa foi o
nome dado ao oceano único que rodeava a Pangea no final do Paleozóico.
Talassografia e Talassologia são sinónimos menos comuns de Oceanografia e
Oceanologia, respectivamente.
Se alguns
mares são bem definidos por estrangulamentos, como é o caso do Mediterrâneo
(estrangulado pelo canal de Suez), do Mar Negro (pelo Bósforo), do Mar Vermelho
(pelo Bab-el–Mandeb) ou do Mar Báltico (pelo Skagerrak), outros são totalmente
abertos ao largo, como são os mares do Norte, de Bering, das Caraíbas, da
China, do Japão e outros.
Outras extensões marinhas poderiam, igualmente chamar-se mares, mas a tradição
refere-as como golfos, alguns bem conhecidos, como o Golfo da Gasconha (ou da
Biscaia), o Golfo do México, o Golfo Pérsico, o Golfo de Bengala.
O Mar Cáspio é hoje um lago, grande entre os maiores. À semelhança do
Mediterrâneo, é o que resta do antigo oceano Tethys ou Mesogea, na sequência da
colisão das Placas Africana e Eurasiática. Exceptuando este e o Aral, com a
mesma origem e também ele um mar residual, todos os mares e oceanos da Terra
estão ligados entre si numa única massa líquida a que chamamos Oceano Global.
Perfazendo
cerca de 71% da superfície do planeta, representa mais de 97% da água livre
superficial e subterrânea. Nesta ambiguidade, também as expressões domínio
marinho e domínio oceânico se confundem. No intuito de ultrapassar a ausência
de definição dos termos mar e oceano, tanto no discurso vulgar como no erudito,
têm surgido no glossário geológico expressões como mares epicontinentais ou
mares marginais, aludindo aos mares pouco profundos, na periferia dos
continentes. Com o mesmo propósito, o restante domínio marinho, o mais profundo
e afastado dos continentes, passa a ser designado, não apenas por domínio
oceânico, mas por domínio oceânico profundo, domínio onde se situam as bacias
oceânicas profundas, duas expressões assim adjectivadas para fugir à citada
ambiguidade.
Para os
gregos, o Mediterrâneo era o mar onde navegavam, um mar rodeado de terra, no
meio de terra, a que chamaram Tétis (Tethys), o nome da deusa, esposa de
Oceano, o deus do “grande rio que corre em torno da terra”, para lá das Colunas
de Hércules (Estreito de Gibraltar). O “grande rio” era o Oceano Atlântico, o
único que conheciam. Esboça-se, já aqui, neste saber clássico, a diferença
entre o mar, algo confinado à terra, e o oceano sem fim nem fundo, para lá de
onde ela se acaba. Recorde-se que o nome Atlântico dado a este oceano pelos
romanos, alude a Atlas, o nome da cadeia de montanhas do Norte de África, para
lá da qual se abria sem fim que se conhecesse. Atlas, recorde-se, era o gigante
da mitologia grega que transportava o Mundo (incluindo a esfera celeste) às
costas, mais tarde petrificado naquelas montanhas.
O mar, no
sentido de oceano, é um sistema dinâmico e complexo, alimentado por forças
incomensuráveis que quase nunca dominamos, cuja acção sobre o litoral busca,
constantemente, um equilíbrio de coexistência nunca alcançado à escala do tempo
geológico, embora aparentemente estável no tempo de vida humana.
O estudo científico dos mares, incluindo o dos seus fundos, desde as faixas
litorais às profundidades ultra-abissais, teve início no século XIX com o navio
oceanográfico Challenger, nas suas viagens de circum-navegação entre 1862 e
1939. Este estudo, em grande parte resultante de cooperação internacional, foi
continuado, após a II Guerra Mundial, com o apoio de vários navios de diversos
países, entre os quais se destacou o Glomar Challenger, bem equipado com
material científico e de sondagens nos grandes fundos oceânicos, um laboratório
flutuante que navegou e operou até finais do século XX. Este outro navio
oceanográfico cumpriu um importante programa, conhecido pela sigla DSDP (Deep
Sea Drilling Project), tendo-se-lhe seguido o navio Joids Resolution, com o
Ocean Drilling Project (ODP), igualmente em apoio a projectos internacionais
essencialmente na área da geologia marinha. Portugal aderiu a este Projecto,
através de um convénio assinado pelo então Ministro da Ciência e da Tecnologia,
para nós, cientistas, nunca esquecido Prof. Mariano Gago.
Centenas
de perfurações e milhares de testemunhos de sondagens, estudados ao pormenor,
dão-nos hoje uma visão bem mais ampla e precisa do que a que tínhamos em meados
do século XX. A Geologia Marinha, ou Oceanografia Geológica , é hoje uma
disciplina científica bastante desenvolvida, sendo interessante assinalar que
foi a partir do estudo dos fundos oceânicos que se encontrou a explicação da
dinâmica global da Terra, hoje bem interpretada na Teoria da Tectónica de
Placas. Também os conhecimentos que hoje dispomos acerca da sedimentogénese
marinha têm-nos permitido conhecer o significado da grande maioria das séries e
sequências sedimentares litificadas, das mais antigas (Pré-câmbricas) às mais
recentes, que integram a crosta continental. Nesta caminhada, a sedimentologia
experimentou novos caminhos com a utilização de sonars, amostradores de
sedimentos, obtenção de imagens através do ROV (Remote Operate Vehicle),
reflexão sísmica contínua, mergulhos tripulados em submersíveis especiais e
sondagens em quaisquer tipos de fundos.
Etiquetas: GC
2 Comments:
Muito elucidativa esta explicação sobre mares e oceanos que nos leva em simultâneo à origem dos termos. Interessante verificar a relação entre o nome do oceano Atlântico, as montanhas do Norte de África e o deus grego Atlas.
São uma delícia e uma riqueza, estes textos do Professor Galopim. E o mapa reproduzido é também um mimo e uma curiosidade, com o Mediterrâneo visto de cima, atravessado por uma linha equatorial, e ligado pelo estreito das "Colunas de Hércules" ao grande oceano que banhava a Terra inteira;Terra que os sábios imaginavam formada pela Europa e pela Ásia, a qual englobava o Egipto, a Líbia e a Etiópia... Impressiona, o conhecimento que nós - bicho Homem - fomos corrigindo e acumulando. Só é pena que, ao longo do tempo (geologicamente muitíssimo curto), o ser humano não tenha evoluído no sentido de se tornar intrinsecamente melhor...
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