POEMA ECOLÓGICO (*)
“Amigo Chefe Seattle
Li a tua carta escrita em 1854 ao grande Chefe Branco de Washington.
Sou um homem de 1978 que vive, como tu previste, num mundo em decadência e
destruição. Já não ouço o sussurrar do vento nem o diálogo nocturno das rãs nos
charcos da selva. Já nem temos selva.
As flores murcham, as árvores agonizam, os pássaros fogem e os insectos
deixam de zumbir. Sei que sou um homem enjaulado numa cidade, enquanto outrora
tu vivias nas pradarias, lá onde bisontes e búfalos te alimentavam o corpo e a
alma.
Os rios, para ti sagrados, são hoje para mim apenas uma miragem de
infância. Neles, em vez de peixes a fazerem corridas e acrobacias, eu vejo o
lixo da nossa civilização, os detritos deste mundo, as opulências mortas de uma
humanidade que se afunda vertiginosamente na era do plástico.
Olho para as estrelas e o luar. Parecem mais distantes do que são, e os
meus olhos, desabituados já de os observar, cansam-se facilmente. Não tenho,
como tu tinhas, esse poder de olhar de frente o sol, de receber – sem me cegar
– a sua luz e o seu calor.
As águias, vi uma ou outra, como se fossem já animais pré-históricos,
aturdidos e se calhar confusos, sem perceberem o que fizemos desta Terra.
E o mar, esse, sobretudo o que vinha dantes banhar as nossas praias e
namorar a areia branca, vem agora sujá-las, com o lixo que lhe deitaram dentro.
Tem um ar triste, de um mendigo que, às vezes, se revolta e destrói as grandes
construções dos nossos engenheiros.
Ah! Meu querido amigo selvagem! Como eu, que não vivi no teu tempo, nem nas
tuas pradarias, tenho saudades da tua Terra sagrada!
Sabes, agora temos frutos maiores, calibrados, estudados, enxertados,
fertilizados e envenenados. Não sabem a nada, nem à frescura do néctar da flor
que os gerou, nem ao perfume de que tu falas.
A nossa sabedoria é outra. Transformámos tudo, progredimos, inventámos,
criámos coisas que tu nem imaginas. Olha, substituímos o vento e o sol por uma
coisa que se chama energia nuclear.
Sabes, é que nós precisamos de mais energia. Criámos tantas coisas, somos
seres tão exigentes, que a energia da Natureza não chega para os semideuses que
nós somos.
Desviámos rios, irrigámos as terras, morreram muitos peixes, passámos fome;
porém, temos coisas que tu nem sequer podias imaginar.
Sabes o que é um arranha-céus com ar condicionado, elevadores que nos levam
para cima e para baixo? Claro, não sabes. Tu não precisavas de morar para cima
de ti próprio. Tinhas espaço e moravas para os lados.
Nós vivemos a correr; tu contemplavas. Contentavas-te com pouco. Não
admira, tu eras selvagem. Nós, não, temos necessidade de mais, cada vez mais,
cada vez mais!
É que nós não nos pertencemos. Pertencemos ao todo. Cada um é uma pequena
peça que gira e roda sem saber porquê, e sem ter tempo para saber.
Tu tinhas espaço, tinhas tempo e tinhas-te a ti.
Como tu disseste, «Vocês morrerão
afogados nos vossos próprios resíduos»”
Júlio Roberto (1929-2013) foi meu contemporâneo no Liceu. Na fase em que
partilhei com ele e outros adolescentes com interesses intelectuais, ele era um
curioso na biologia e na filosofia.
Professor, escritor, poeta, ecologista e editor
(ITAU), foi conferencista em Portugal e no Estrangeiro, dissertando sobre a
natureza, a qualidade de vida e o homem.
Convidado pelo Conselho da Europa para escrever
um livro sobre os Direitos Humanos, aceitou o desafio, dando à estampa “Reconstruir
o nosso mundo”, com ilustrações de Teresa Soller (ITAU, 1976), tido por um dos
primeiros livros a alertar-nos para a destruição da biodiversidade pelo chamado
progresso.
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(*) - de Júlio Roberto, 1978, uma deliciosa lição-análise
sobre este nosso cada vez mais agredido Ambiente, pela ganância ilimitada do
mundo dos cifrões está a conduzir para a destruição.
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