Avelina
Por Joaquim Letria
— Por que raio escreve você
agora no Minho Digital?!
É com este caloroso cumprimento que alguns conhecidos meus
festejaram o início da minha colaboração com o jornal do meu amigo Manso Preto.
Claro que não tenho satisfações a dar-lhes, mas sempre vou
dizendo que é por me apetecer, por gosto e porque ninguém tem nada com isso.
Mas se tivesse que apresentar justificações mais profundas também o poderia
fazer. Mas era o que faltava!
Agora aqui só para nós, que ninguém nos ouve, posso falar-vos
da minha Avelina, uma mulheraça que me
encheu de Alto Minho desde a minha nascença. E me moldou para a vida e me
divertiu como nunca mais ninguém o fez,
Avelina, minha querida, minha amiga, minha camarada, minha quase mãe.
Quando nasci, a minha mãe, violinista de orquestra sinfónica
com 24 anos de idade, morreu com um ataque de eclâmpsia, doença que hoje em dia
poucas parturientes mata, felizmente.
Fiquei a berrar numa gaveta aberta de lençóis de cama que
serviu de meu primeiro berço, no improviso da aflição que foi o início do amor
dos meus avós a quem tudo devo. A minha avó nem hesitou:
— Temos de lhe arranjar uma ama de leite!
Foi assim que a
Avelina desembarcou em Lisboa com a minha irmã de leite Esmeralda ao colo,
proveniente do Alto Minho, onde amigos da minha família a desencantaram para me
dar de mamar. Mamei nas tetas da Avelina
até começar a comer papas e mioleiras e me nascerem os primeiros dentes. A Avelina ficaria então ao serviço da nossa
casa até se tomar de amores por um motorista da Carris com quem embarcou para
Angola, tinha eu 14 anos.
A Avelina era duma aldeia do Alto Minho que não nomeio para não
ser indiscreto e tinha engravidado do pároco que ali também tratava das almas.
Logo a família e devotas senhoras trataram de pôr a moçoila a andar para não
haver escândalo e terá sido assim que ela chegaria a casa da minha família, de
mamas cheias e roída de saudades do padre.
Só falo disto agora, e com discrição, pois se a CIA divulga
informações sensíveis ao fim de 30 anos, eu penso que posso contar esta
história ao cabo de 73, sem magoar ninguém, pois sou o único sobrevivente e
decerto que o Senhor a todos já perdoou quando os recebeu no céu, onde me
esperam para gozarmos juntos as delícias da vida eterna.
A Avelina encheu-me de arroz de sarrabulho, de rojões, de
cozido à minhota , de vinho verde tinto e outros prazeres da vida que perduram
até hoje. À noite, enquanto me fazia companhia quando eu
tinha medo do escuro, contava-me histórias de bruxas, de amores e falava-me do
Minho até eu adormecer. Escrever aqui é regressar à infância e voltar a encher-me
de Minho. Mas não dou satisfações a
ninguém por me sentir em casa ao escrever aqui. Era o que faltava!
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Publicado no Minho Digital
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Etiquetas: JL
3 Comments:
Sim, senhor. Em forma. Uma delícia.
Assim é que é.
O Joaquim levou uma grande galheta na mona, já que, ao que parece, os cristais desapareceram. Em grande forma, talvez ainda efeito do leite das mamas da Avelina.
Fantástico!!!
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