24.11.17

VÃO DAR SANGUE

Por Joaquim Letria
Recordo-me dum tempo em que não havia ONGS (Organizações Não Governamentais) subsidiadas por discretas secretarias de Estado nem por Altos Comissariados. Mas havia muita generosidade. Mandava-se tabaco e ambulâncias para os militares em Angola, Guiné e Moçambique e não se dizia que o tabaco mata porque dizer isso a quem andava aos tiros parecia, com certeza, muito mal.
As coisas chegavam ao destino a tempo e horas, como eu próprio me lembro de comprovar e as senhoras da Ditadura andavam entretidas com a caridade. Hoje não há caridade. Há solidariedade que parece ser mais uma conquista de Abril.
Dantes, a solidariedade era outra coisa – era clandestina e feita a favor das famílias dos presos políticos ou dos mortos pela PIDE.  A caridade também só rendia aos pobrezinhos. Hoje, a solidariedade parece ser uma actividade bem lucrativa.
Lembro-me dum incêndio que destruiu toneladas de bens alimentares destinados a minorar a fominha da miséria envergonhada que anda por aí. O fogo ocorreu em circunstâncias estranhas e muitos ficaram a pensar como é que com tanta gente a fingir que almoça um “croissant” e um copo de leite e janta uma tigela de sopa. Não se tinha distribuído tanta proteína, hidratos, ferro e vitaminas armazenados em condições perecíveis e deploráveis.
Actualmente, milhões de euros angariados por comovente generosidade não chegam ao destino ao cabo de anos passados sobre impiedosa destruição de vidas e bens por incêndios provocados pela ganância daqueles que dizem combatê-los, no continente e na Madeira.
Meninas desta situação e meninos “prafrentex” assalariados por comissariados e ONGs aparecem regularmente muito empreendedores a pedir ajudas através de números de telefone de valor acrescentado e depósitos em contas à ordem. O Estado não se fica atrás: cobra IVA e outros impostos sobre donativos e obras de reconstrução daquilo que não protegeu ou até ajudou a destruir e engorda ainda mais à custa da desgraça. 
Há décadas que contribuo para uma organização com sede no Reino Unido que ajuda populações carenciadas no Terceiro Mundo. Todos os anos recebo um relatório e contas para que eu fique a saber como foi bem empregue cada tostão e quem beneficiou com a minha ajuda e a generosidade de milhares de outras pessoas que anonimamente também querem ajudar o próximo.
Por cá, o regabofe atingiu um ponto que não se pode criticar aqueles que dizem que só pagam o almoço a quem tem fome e ajudam directamente quem vive com pensões miseráveis, dando dinheiro em numerário só a desgraçados que precisem dum “xuto”, antes que estes vão roubar alguém.
As meninas e meninos desta situação podiam ser mais úteis a… dar sangue. Dói um bocadinho, mas também está em falta. E com o “empreendedorismo sustentável” que os anima ainda descobrem que o sangue pode ser  um rentável  nicho de mercado.
Publicado no Minho Digital

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2 Comments:

Blogger opjj said...

Ontem vi-o em 2 canais da TV. Nesse dia da tempestade(1967) eu estava na Av. de Berna e tinha água pela cintura.
Ao ouvi-lo parece até que Salazar desencadeou a tempestade e foi o culpado das mortes. Na sua idade acho que não precisa disso!
Fazendo a comparação o António das Mortes foi o culpado dos fogos deste Verão que são democráticos, logo as mortes foram abençoadas!
Cumps.

25 de novembro de 2017 às 19:47  
Blogger Ilha da lua said...

Opjjj O Salazar não mandou vir a tempestade,mas, como disse,o Joaquim Letria escondeu a tragédia até onde pode Não queria mostrar a profunda miséria em que vivia a população afectada pelas cheias

25 de novembro de 2017 às 20:29  

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