A Menina-Mãe do Bebé do lixo
Por Joaquim Letria
Ninguém que meta um ser vivo num caixote do lixo pode estar bem da cabeça. Muito menos se esse ser vivo for uma criança e ainda menos se quem o abandona à morte, dessa maneira cruel, for quem acabou de o dar à luz, ao fim de nove meses de gestação, sozinha e em segredo, num canto esconso, debaixo dum viaduto.
Mas se quem comete um acto de semelhante crueldade for uma menina de 22 anos que vive sozinha na rua, sem ajudas nem palavras, a não serem as de quem dela abuse, e que é precisamente do caixote do lixo que muitas vezes se alimenta, pode entender-se melhor – sem nunca o aceitar – semelhante acto.
E se eu entendo o acto, sem nunca o aceitar, tenho porém a ideia e o sentimento de que essa pessoa não pode ser detida numa prisão nem vir a ser condenada a uma pena de cadeia sem antes se conhecer toda a sua culpa. Doutro modo, limpamos a nossa consciência colectiva e atiramos para trás das costas a parte da culpa que cabe a todos nós.
Prender por prender não soluciona um caso como este que, infelizmente, tem no passado frequentes actos semelhantes e, porventura, mais cruéis como as dos nascituros mortos à facada, outros desmembrados e metidos em sanitas aos bocados, ou bebés atirados para entulhos de obras abandonadas, dentro de sacos plásticos. Antes houvesse a Roda, de triste memória…
Naturalmente que a polícia deve desempenhar o seu papel: o historial da menina-mãe, relações familiares, ligações sexuais, ocasionais e duradouras, cúmplices ou quem a votou ao abandono, investigar a fundo quem mais pudesse saber da intenção, para que a justiça actue e puna também quem mais tiver culpas do que a mãe que, só por sorte, não consumou o infanticídio após nove meses de gravidez sem qualquer apoio. A Justiça deve puni-los a todos, sem apelo nem agravo, se forem apenas simples criminosos sem qualquer desculpa psiquiátrica.
A par disto também deveria inquirir-se o papel da Segurança Social e das autarquias que permitem que tanta gente viva em cartões ou mini-tendas nas ruas das grandes cidades, sem resolverem as causas deste universo de miséria.
Agora, quanto a esta menina de 22 anos a viver na rua, em vez de a meterem apressadamente numa prisão de mulheres, na sua maioria traficantes e homicidas, à espera que um juiz a interrogue, devia ter sido antes internada onde pudesse ser vista por médicos e receber tratamento psiquiátrico, porque quase de certeza que esta jovem mulher desamparada sofre e não está bem da cabeça. Investiguem-na, averigúem e então façam justiça. Antes disso não é sério.
Publicado no Minho Digital
Etiquetas: JL
5 Comments:
Completamente de acordo com a sua opinião Uma jovem que vive em condições sub humanas,numa constante luta por sobreviver, facilmente perde as referências e os valores
Retrato do dia a dia. No fundo ninguém se interessa por essa gente que vive á margem de qualquer dignidade. Limitam-se a dar umas esmolas e estão sempre prontos a julgar e condenar situações que nem lhes interessa compreender. Vem aí o Natal e é um desfilar de bondosas e anafadas senhoras a servir bacalhau e rabanadas como se estivessem a salvar o mundo. A mim, metem-me nojo
Essa foi a minha apreciação desde o início, sendo no entanto criticado.
Penso também que na prisão certamente que está mais protegida.Veremos depois os apoios.
CUMPS.
Dulce Oliveira. Em democracia, é dever do Estado democrático combater a pobreza e à desigualdade Infelizmente, é uma tarefa difícil As Associações de Solidariedade dão uma grande ajuda e envolvem a sociedade civil,resolvendo situações, que o Estado não consegue Acredito ,que se cada um de nós fizer a sua parte teremos um mundo melhor Com é óbvio ,isto não subtrai oEstado das suas obrigações. Cumprimentos
Concordo com Joaquim Letria. Acrescento apenas que, entre nós, o que chamam «segurança social» dá ideia que só serve para dar emprego a umas quantas pessoas, a maior parte das quais nem ganharão assim tanto como isso, mas o objectivo da sua função é que não me parece que seja atingido, nem de perto nem de longe. Talvez menos ainda do que a «protecção civil»...
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