Como eles batem as barbatanas
Por Joaquim Letria
Decidi escrever sobre a Islândia, os Islandeses e a sua capital Reykyavik para fugir do coronavirus e da tardia descoberta de juízes corruptos em Portugal. Há anos, a famosa guerra do bacalhau entre islandeses e britânicos atirou-me para as terras frias do Norte, sem noite nem grande animação, a fim de reportar os acontecimentos a Londres para a minha BBC.
Foi, portanto, a política da canhoneira e a diplomacia do Rule Britânia que me deram o ensejo de conhecer a ilha do gelo, a orgulhosa gruta dos “vikings”, esse país fascinante governado por mulheres, cujo aeroporto cheirava a bacalhau e cujas lãzudas ovelhas castanhas tinham um olhar tão triste que quando nos encaravam quase nos faziam chorar.
A predominância da mulher sobre o homem na Islândia é esmagadora (e gostosa). Guardo na memória recordações nebulosas desse tempo, farrapos de saudades, como, por exemplo, imagens duma exposição, um varredor de ruas a cantar, esforçando-se por varrer a rua mais imaculada de que tenho ideia. A solidão duma árvore açoitada pelo vento do Norte, a cor do mar iluminado por pálidos raios solares, um mar sem outra cor mais viva que não fosse o cinzento-rato.
Algo que me não sai da memória é a forma de aplaudir dos islandeses, sem que eu queira ferir os ilustres descendentes de Naddod, Gardar e Ingolf Amarson. Mas a verdade é que os islandeses são os mais torpes entusiastas do Mundo quando aplaudem aqueles que admiram e as coisas de que gostam. Mexem os braços lentamente, chocam as duas mãos com o mesmo vigor e entusiasmo das focas quando batem as barbatanas.
Às vezes, olho pela TV e mato saudades de Reykyavik ao ver alguns políticos a aplaudirem os seus pares no parlamento. Só raramente em um ou outro se não descortina aquele entusiasmo de focas amestradas. Muito poucos com a fibra de Vigdis Fingbogadottir, a senhora que presidia aos destinos da Islândia quando andei por aquelas paragens e que certamente teria alguém que a aplaudisse com o vigor dum viking.
Não guardo da Islândia muito mais do que estes farrapos de recordações que ainda hoje são muito agradáveis. Para alguma coisa serve viajar. Por vezes, mesmo pela TV, os aplausos mortiços e pouco sinceros podem converter-se num livro de viagens, como podem ver por estas modestas linhas que aqui vos deixo alinhavadas…
Publicado no Minho Digital
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