31.7.20

O Nosso Direito à Justiça

Por Joaquim Letria
Certa vez, em que eu fui convocado para testemunha pericial dum crime de difamação de que a RTP era acusada (que venceria em meses), lá me apresentei na sala do Palácio de Justiça indicada pela contrafé que dava a conhecer o dia e a hora da sessão de julgamento onde deveria ser ouvido. 
E aí, nessa hora e data, testemunhei a aflição duma pobre senhora que estava acompanhada por um advogado e que se apresentavam à mesma porta, mesma sala, mesma hora do julgamento do caso que ali me levava e que nada tinha a ver com o caso da referida senhora.
A senhora e o advogado lá conseguiram falar com a oficial de diligências que procedia à chamada das testemunhas do caso que para ali me levara e mostraram-lhe as contras-fé e mais papelada que dizia que o caso deles era ali, naquela sala e à mesma hora. A funcionária olhou para o papel, leu e disse em voz alta e autoritária:
--O seu processo está adiado sine die. O tribunal logo a avisa quando for a nova data da audiência.
Jamais esquecerei os soluços daquela pobre senhora apesar de reconfortada pelo seu advogado. E tão transtornada ficou que se despenhou desesperada num daqueles bancos corridos onde as testemunhas esperavam.
O desespero da senhora era tal que até eu, que a não conhecia de parte nenhuma e ignorava o que se passava, me aproximei e procurei reconforta-la. Foi assim que fiquei a conhecer a razão da aflição da senhora.
-O Senhor desculpe-me,- disse-me ela – mas a questão é esta: O meu marido foi atropelado numa passadeira de peões e morto e eu e o meu filho, que infelizmente também já cá não está, movemos uma acção e pedimos uma compensação pela perda do meu marido que era o único sustento da nossa casa. É por isso que aqui estou, meu caro senhor, mas deixe-me que lhe diga que este processo, que do outro lado tem uma companhia de seguros contra mim, começou há 22 anos! E hoje eu julgava que isto se resolvia aqui!
E desabou em mais uma torrente de soluços. Porque me lembro eu hoje deste caso ocorrido há anos num tribunal cível da comarca de Lisboa?
Simples, já sei: por ter ouvido o prof. Marcello dizer que a Justiça está de parabéns ao marcar um julgamento para o caso BES ao fim de 6 anos de inquérito! Agora falta uns meses para marcar uma data e outros tantos para escolher os juízes. E depois, segundo um ilustre advogado que faz o favor de ser meu amigo, mais uns “9 a 12 anos” para se conhecer o acórdão. Os espoliados do BES e o Senhor Ricardo Salgado, se forem vivos, logo poderão dizer bem do nosso Estado de Direito. E há ainda que contar com os recursos e as decisões dos tribunais superiores. Ainda bem que em Portugal há justiça célere! Justiça…
Publicado no Minho Digital

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1 Comments:

Blogger José Batista said...

Eu, pelo que vejo, costumo dizer que Portugal é não é um Estado de Direito, é um «estado de torto», assim, mesmo, com minúsculas. E «de torto» sempre para o mesmo lado, que é o lado dos poderosos. Por isso a democracia em Portugal, tirando a liberdade de expressão, é muito condicionada. E a mim parece-me que há duas razões fundamentais: uma o «sistema de (in)justiça» e a outra o «sistema (des)educativo». Digo que são os principais motivos porque o terceiro, a pobreza endémica de uma fracção importante da população, ia-se resolvendo se aqueles funcionassem.

1 de agosto de 2020 às 23:32  

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