10.1.21

DESTRUA-SE !


VENDO o mapa do Mediterrâneo, percebe-se claramente que era inevitável que Cartago e Roma se envolvessem, mais cedo ou mais tarde, numa guerra de morte pelo domínio do “Mare Nostrum” — o que veio a suceder nas três Guerras Púnicas, que terminaram com a aniquilação da cidade africana por Cipião Emiliano em 146 a.C., tal como exigia Catão, o Velho, que terminava sempre os seus discursos apelando à destruição da cidade rival com o seu famoso «Delenda est Carthago». 

Ora, e apesar de já terem passado umas boas seis décadas, lembro-me, como se fosse hoje, do filme “Aníbal e os Elefantes” (cuja acção decorria durante a segunda das referidas guerras), que muito incentivou o meu estudo desses acontecimentos quando chegou a sua altura na cadeira de História, e que, mais tarde, me fez ler e reler “Salambô” (de Flaubert), e tudo o mais que encontrei acerca da civilização púnica. 

 

IMAGINE-SE, pois, o meu entusiasmo, quando, muitos anos mais tarde, fui mandado a Tunis, a capital da Tunísia, a dois passos da cidade de Aníbal, e vendo passar à porta do hotel autocarros com destino “Cartago”! Eu bem sabia que a cidade havia sido arrasada, mas não ao ponto de — como muitos me diziam — não haver lá nada para ver. Até porque, nessas coisas, sinto sempre a magia de “estar no local onde sucedeu isto e aquilo”, não me importando, portanto, que não houvesse muralhas nem palácios em pé. 

E estaria tudo muito bem, se o trabalho não se interpusesse entre o desejo e a realidade, pelo que acabei por apenas saltar do aeroporto para o hotel, deste para o escritório, do escritório para a obra... e fazer o caminho inverso até Carnaxide.

Ora, e tendo em conta que cartagineses e romanos também andaram muito tempo por aqui, pela nossa terra, compreende-se que eu tenha sido vítima de várias associações de ideias, desta feita provocadas pelo derrube da chaminé lacobrigense de que tanto se tem falado.

 

Reconheço que pode parecer confuso, mas eu explico:

 

QUANDO, pela primeira vez, entrei na sala de reuniões da delegação tunisina da empresa em que eu trabalhava, reparei que os presentes, ao sentarem-se, deixavam vaga a cadeira mais confortável — uma magnífica poltrona rotativa, reclinável e com rodinhas — e concluí, sem perguntar, que devia ser para mim pois, além de eu ser o mais velho dos presentes, estava ali como representante da casa-mãe.
Mas, afinal, não era por isso que o cadeirão estava vago, como vim a perceber quando nele me sentei: é que o chão era ligeiramente inclinado e, se não me agarrasse à mesa, acabava a deslizar pela sala fora, fazendo uma figura muito pouco consentânea com as minhas funções! 

No entanto, fosse por boa educação, por ausência de senso-de-humor, ou porque já estivessem habituados a esses “deslizes”, ninguém se riu, e limitaram-se a explicar-me o que se passava: a casa fazia parte de uma urbanização construída em solo pantanoso, que fora abatendo ao longo dos anos, e já se tinham habituado a viver com isso. Sim, devia ser um terreno semelhante àquele onde, até há pouco, existia a chaminé que, no seguimento de uma acção devidamente autorizada, foi aumentar a entropia do Universo.

 

E AQUI, também por associação de ideias, entram os paquidermes de Aníbal, devido à metáfora do “elefante em loja de porcelanas” e ao facto de o filme ter passado no Cinema Monumental — essa joia de Lisboa que também sumiu, da noite para o dia, às mãos do camartelo do presidente da CML, o Eng.º Abecassis que, ao menos nesse aspecto, não enganara ninguém pois, oportunamente já prometera “deixar a cidade irreconhecível”!

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