3.6.22

ESTRANHOS MILAGRES DE FÁTIMA

Por Joaquim Letria

Há 45 anos, vivia Portugal o Processo Revolucionário em Curso (PREC), tive o descaramento de entrevistar o líder da extrema-direita espanhola, o dirigente fascista Blas Piñar.

Como calculam, a esquerda festiva de Portugal quase me entregou à Inquisição e não perdoou nem se interessou em saber aquilo que eu buscava na referida entrevista: como encarava a extrema-direita espanhola aquilo que estava a acontecer em Portugal, para mais num momento em que a Espanha ainda não tinha evoluído do Franquismo para uma via democrática, como aconteceria mais tarde com Adolfo Suarez.

Abocanhei Blas Piñar e não larguei mais: tinha de conseguir aquela entrevista que teria o maior interesse em Portugal e Espanha como se verificaria mais tarde. Mas se o homem e a sua entourage não diz que sim nem que não, eu não daria tréguas. É aí que recebo uma resposta dramática:

Blas Piñar diz-me que sim senhor, que me concede a entrevista para a RTP, mas esta terá de ser gravada no Santuário de Fátima que ele iria visitar, já na viagem de regresso a Espanha. Tentei que fosse antes, à saída de Lisboa, ou na fronteira de Portugal com Espanha, mas nada: o homem estava irredutível: ou em Fátima, ou nada. E assim parti com a minha equipa rumo a Fátima.

Entrevistei Blas Piñar, verdadeiramente um fascista de ideologia pura e dura, que me recebeu com um amplo abraço em plena esplanada do santuário, onde, caminhando lentamente, trocámos perguntas e respostas. Imagino que a entrevista não tenha sido destruída dos arquivos da RTP e por ela ainda se pode avaliar a sua importância política naquele momento.

A juntar-se à  extrema-esquerda em festa levei com a igreja toda em cima: o cardeal, que eu muito estimava, bispos, o colégio episcopal, o reitor do santuário, não houve católico condoído que não me mordesse as canelas durante semanas a fio. Tenho a impressão que só o cónego Melo, colega ideológico de Blas Piñar e grande amigo de muita gente da rede bombista, ficou comprometedoramente calado, ainda que rosnando promessas que eu deveria pagar.

Falo nisto agora porque depois deste episódio verificado há tanto tempo, Fátima, hoje em dia sem memória, serve de cenário para filmes duvidosos e para palco de reuniões magnas da extrema-direita internacional, cuja segurança custou uma pipa de massa ao País, já que foi o Estado que assumiu a garantia do bem-estar dos políticos e religiosos que se reuniram em Fátima, julgo eu que com a bênção de Nossa Senhora.

Publicado no Minho Digital

Etiquetas: