5.7.24

“ARQUIVOS DA NATUREZA”




Por A. M. Galopim de Carvalho

Saxa loquuntur” é a expressão latina que quer dizer “as pedras falam”. 
São como que livros onde está escrita a história da Terra. 
Esta interessante imagem, que retirei da Exposição de Maura Grimaldi, 
em Lisboa, de 27/06 a 27/07 de 2024, diz que as pedras, no seu falar 
de silêncio, revelam, a quem as sabe escutar, não só de que foram e como foram feitas 
e, muitas delas, a respectiva idade. Com efeito, as pedras, ou seja, as rochas, podem ser 
entendidas como documentos escritos que os geólogos aprendem a ler. No caso particular 
das rochas sedimentares, as letras dessa escrita são, sobretudo, os seus minerais 
e os fósseis que muitas delas encerram, há milhões de anos. Nas outras duas classes 
de rochas, as magmáticas e as metamórficas, os fósseis, salvo em casos muito especiais 
e raros, não têm representação.


Fixemo-nos, portanto, nas rochas sedimentares, como as mais importantes neste discurso. Como constituintes mais peliculares da litosfera, acessíveis à curiosidade dos geólogos, estas constituem um domínio particularmente importante da Geologia e são o fulcro das preocupações da Sedimentologia, uma especialização relativamente recente que se fica a dever aos interesses das grandes empresas petrolíferas. Armazéns ou arquivos de vultuosa informação, estas rochas têm-nos permitido conhecer grande parte da história da Terra e da vida. Numa linguagem com preocupações de estilo, poder-se-ia dizer que as rochas sedimentares trazem consigo as marcas dos seus progenitores, as das condições ambientais em que foram geradas e, muitas delas, a data do seu nascimento. 

É, pois, nesta medida que podemos comparar as camadas de rochas sedimentares às páginas de um grande livro onde está escrita essa história. 

Em 1941, o físico e cosmólogo ucraniano, naturalizado norte-americano, George Gamow (1904-1968) escreveu: “O Livro dos Sedimentos, reconstruído pelo esforço de diversas gerações de geólogos, equivale a um extensíssimo documento histórico, ao lado do qual todos os alentados volumes da História da Humanidade não passam de insignificantes opúsculos”.

 

Se o leitor abarcar os como e os porquês, os quando e os onde da dinâmica inerente aos processos que levam à alteração das rochas em superfície por efeito dos agentes externos, à erosão, ao transporte e à sedimentação, ou seja, à sedimentogénese; 

Se interiorizar os principais conceitos sobre os mais variados ambientes de sedimentação (marinho litoral, marinho profundo, fluvial, estuarino, deltaico, glaciário, eólico, lacustre, entre os mais conhecidos) que hoje nos rodeiam em todas as latitudes, a ponto de os poder correlacionar com os do passado; 

Se souber que foram ambientes iguais ou semelhantes a esses que, ao longo de milhares de milhões de anos, estiveram na origem de uma parte substancial das rochas da crosta (as sedimentares) e se adquirir preparação de base nestes domínios

 

Irá entender a maravilhosa história do planeta que nos deu e assegura a vida, e deixará de olhar para a Geologia como uma disciplina desinteressante e fastidiosa que, tantas vezes, professores não habilitados, seguidores acríticos de manuais de ensino estereotipados, debitam sem entusiasmo, por dever de ofício, que o aluno decora por obrigação curricular e que lança no caixote do esquecimento, passado que foi o exame final. 

 

Tem sido este o quadro nacional no ensino obrigatório, onde a Geologia sempre foi subalternizada. Foi este o quadro em que, salvo as sempre honrosas excepções, cresceram e se formaram as mulheres e os homens que hoje temos na política, na administração, nas empresas, na cultura, nos media, no cidadão comum.

 

No século X, a Enciclopédia de Os Irmãos da Pureza, obra colectiva acabada por volta 980, diz, numa notável antecipação aos modernos conceitos, que “a erosão destrói perpetuamente as montanhas e que o escorrer das águas pluviais arrasta rochedos, pedras e areia para o leito das torrentes e rios; diz-se ainda que, por seu turno, ao escoarem-se, os rios acarretam tais materiais para os pântanos, lagos e mares, onde os acumulam sob a forma de camadas sobrepostas”.

No século XIII, Alberto, o Grande (1206-1280), aludia ao “lodo agarradiço e viscoso, trazido pelas águas, que cimenta a terra (material detrítico, desagregado) e a transforma em rocha dura”.

No século XIV, Jean Buridan (circa 1300-1360), filósofo francês e reitor da Universidade de Paris, questionou algumas das concepções aristotélicas e ecreveu, reformulando uma ideia vinda da Antiguidade: “Onde hoje se encontra o mar foi outrora terra e, inversamente, onde a terra firme está no presente, esteve o mar e aí voltará”.

No século XV, Leonardo da Vinci (1452-1519) admitia que os fósseis encontrados nas montanhas eram restos de seres vivos depositados no fundo dos mares. Polemizando entusiasticamente com os defensores de ideias conservadoras, contrárias às suas, da Vinci descreveu notavelmente os grandes processos actuais e passados da erosão, sedimentação e fossilização, numa óptica muito próxima das concepções presentes.

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