20.12.05

Passeio Aleatório

O Pai Natal de São Petersburgo

IMAGINE o leitor que o Pai Natal vem ter consigo e lhe diz:

«Vou-te oferecer a quantia que pedires para jogarmos um jogo. Sei que a única coisa que vais ganhar é essa quantia fixa que te dou. E eu posso ganhar muito. Mas dou-te o que quiseres para aceitares jogar comigo.»
O leitor fica contente, claro, e o Pai Natal explica-lhe:
«Atiramos uma moeda ao ar. Se sair ‘caras’ dás-me dois euros e acaba o jogo; se sair ‘coroas’, jogo outra vez. Se desta segunda vez sair ‘caras’, dás-me o dobro, ou seja, quatro euros, e acaba o jogo; se sair ‘coroas’, jogo outra vez. Se da terceira vez sair ‘caras’, dás-me o dobro do ganho anterior, ou seja, dás-me oito euros e ficamos por aí; se sair ‘coroas’ jogo outra vez. E assim por diante.»
Pense bem no que lhe propôs o Pai Natal. Acha que aceitaria jogar com ele por 10 euros? E por 100? E por 1000? É melhor ter cuidado, pois esta história é já antiga e, a seu tempo, confundiu os melhores matemáticos.
Nicolas Bernoulli
O problema foi apresentado em 1713 numa carta de Nicolas Bernoulli ao seu amigo Pierre de Montmort.
Mais tarde, em 1731, depois de alguns dos espíritos mais brilhantes da época não terem chegado a acordo, Daniel Bernoulli comunicou o problema à Academia de Ciências de São Petersburgo. E o tema começou a ser debatido. Muito debatido.

Daniel Bernoulli

Ainda este ano, a revista científica «The American Statistician» incluiu uma polémica sobre algumas ramificações do problema, que é hoje conhecido como paradoxo de São Petersburgo.

Para saber quanto deveria aceitar como entrada neste jogo, o melhor é fazer as contas e pensar qual o valor esperado da quantia que dará ao Pai Natal. Ora o jogo não acabará enquanto não sair «caras» e ele receber alguma coisa. No primeiro lançamento da moeda ele vai ganhar dois euros se sair «caras». Quer dizer que ganha dois euros com probabilidade 1/2. Ou seja, em média, se o jogo fosse muitas vezes repetido — e o Pai Natal é muito velho —, ele ganharia 2x1/2=1, isto é, ganharia um euro pelo primeiro lançamento.

No segundo lançamento, que acontece com probabilidade 1/2, o Pai Natal pode ganhar quatro euros. A probabilidade de ganhar esses quatro euros é 1/2 vezes 1/2, ou seja, 1/4. Então esse ganho esperado é 4x1/4=1.

As contas prosseguem da mesma maneira.

O ganho esperado do terceiro lançamento é 8x1/8=1, e por aí adiante. Se chegarmos ao décimo lançamento e ainda não tiver saído «caras», o que é pouco provável mas não impossível, a parada está pelos 1024 euros. Se sair «caras» é essa quantia que ele então ganha, e a probabilidade é 1/1024.

A probabilidade de avançar para jogadas posteriores vai diminuindo, mas o ganho do Pai Natal vai aumentando na mesma proporção. O seu ganho esperado, ou seja, o prejuízo esperado do leitor, é 1+1+1+...

Onde é que isto pára? A realidade é que não pára nunca. Por mais vezes que se tenha lançado a moeda ao ar sem nunca ter aparecido «caras», a probabilidade de aparecer esse lado da moeda no lançamento seguinte não muda. Continua a ser 1/2, o que quer dizer que é sempre possível que não seja ainda dessa vez que o jogo pare e que o ganho potencial do Pai Natal não aumente.

Na realidade, feitas as contas, não há dinheiro neste mundo que compense entrar no jogo. O melhor será pedir outra prenda ao Pai Natal. Acontece que não somos máquinas.

Se encontrar por aí o Pai Natal e ele lhe oferecer um milhão de euros, garanto-lhe, leitor, que o mais racional é não aceitar o jogo. Mas peça-lhe então para vir ter comigo, que pela mesma quantia eu aceito o desafio. E não lhe diga nada: até por menos de metade!

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

De facto...Que raio de paradoxo enervante!
A 1ª reacção é aceitar a aposta. Mas a matemática diz que é arriscado! O que fazer? Eu, como o N. Crato, acho que aceitava os ditames da intuição!

20 de dezembro de 2005 às 19:24  

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