A ENTREVISTA
A ENTREVISTA de Cavaco Silva à SIC foi surpreendente. Porque ele podia ter dado o apoio inteiro, que deu, ao Governo, mas - e como até lhe vai no hábito - com a reserva e o distanciamento que as ideias dominantes sobre solidariedade institucional largamente permitiam. Bastava-lhe, para isso, invocar algumas noçôes de uso corrente: este é o Governo legítimo de Portugal, ele tem o direito de pôr em prática as suas políticas e não é função do Presidente substituir-se à oposição. Não quis, porém, ficar por aí. Quis envolver-se, subscreveu a governação (até com detalhe sectorial) e usou amiúde de um "nós" que, se às vezes ainda pôde ser tomado por "nós, os portugueses", outras era inequivocamente "nós, Governo e Presidente". Sugeriu um relacionamento murmurado, feito de cumplicidades patrióticas e até de alguma co-autoria silenciosa em medidas e políticas em curso. E, ao compreensível espanto da entrevistadora, que lhe quis recordar quem fora o seu eleitorado, ele respondeu invocando a "cooperação estratégica" que abertamente defendeu durante a campanha eleitoral.
Não foram, por isso, a lealdade e o recato, a que a mais elementar solidariedade obriga (e nem ma lembro de que Presidente algum a tenha sequer beliscado durante um primeiro mandato), o que a entrevista teve de surpreendente. Foi, sim, o gesto, facultativo e ponderado, de partilhar e caucionar, militantemente, as coisas que já estão feitas, as que publicamente foram anunciadas e, em boa lógica, tudo aquilo que for decorrência de umas ou outras.
Não foram, por isso, a lealdade e o recato, a que a mais elementar solidariedade obriga (e nem ma lembro de que Presidente algum a tenha sequer beliscado durante um primeiro mandato), o que a entrevista teve de surpreendente. Foi, sim, o gesto, facultativo e ponderado, de partilhar e caucionar, militantemente, as coisas que já estão feitas, as que publicamente foram anunciadas e, em boa lógica, tudo aquilo que for decorrência de umas ou outras.
É nisto (que, aliás, não é pouco) que residiu a surpresa. Mas não que ele, como sugeriu, possa ter assim demonstrado a falta de fundamento dos agoiros e receios de alguns críticos durante a campanha. Por mim, mantenho que não há prova cabal em oito meses. E reitero o que aqui escrevi em Janeiro: só depois da última e mais impopular das reformas necessárias, que ele sabe que a direita não poderá ou quererá fazer; depois de o estado-maior nogueirista do PSD ser substituído por devotos; depois de o CDS se vergar de vez ao império estratégico do PSD; e, o que é cronologicamente mais fácil, depois da presidência portuguesa da UE - só depois destas quatro condições acumuladas, é que uma nova entrevista como esta (e mesmo que relevando de uma concepção de presidência que não é a minha e que reputo perigosa) faria a cabal demonstração daquilo mesmo que ele agora pretendeu ter demonstrado.
Publicado no «Diário de Notícias» de 19/11/06
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