10.12.06

Natureza morta

O TOM GERAL da entrevista de Nuno Morais Sarmento (NMS) ao DN é de grande serenidade. A fazer esquecer o ferrabrás que, no primeiro ano do Governo de Durão Barroso, ralhava pela TV com dez milhões, julgando que o segredo das reformas estava apenas na intimidação. E a fazer esquecer também o discreto e cansado ministro de Santana Lopes, num Governo com o qual pactuou, na ilusão de lhe poder conter os maus ímpetos. É, aliás, com inegável habilidade que NMS se faz lembrar sem fazer lembrar o que fez. E como falhou duas vezes (mesmo que as culpas maiores não tenham cabido a ele, mas sim a dois primeiros-ministros que se foram embora de supetão - um por sua vontade, outro sem ela). Ele bem sabe que quando um passado político correu mal, não é currículo, é cadastro.
Sobre o Governo, NMS assinala a "determinação e a capacidade de decisão" de Sócrates. Mas - e há sempre um "mas" quando não se quer perder a ambiguidade - não se deve "confundir o adjectivo com o substantivo": "medidas correctivas nas finanças públicas é uma coisa, saúde na economia real das empresas é outra" (estando as primeiras a ser feitas e não havendo ainda efeitos na segunda). Mas - os "mas" nunca são de mais - "seria demagogia barata dizer que poderia ser diferente, pelo menos para já", pois "há que deixar o Governo fazer o seu trabalho". Para um opositor, isto é hossana.
Sobre a oposição (subentendendo-se a do PSD), NMS diz que ela faz "política adjectiva, em vez de fazer política substantiva. Não tem back-office, capacidades humanas e técnicas que a permitam". Além disso, Marques Mendes não é "carismático", não é associável "a nenhuma causa", é apenas "um extraordinário organizador". Para opositor interno, isto é anátema.
Sobre Cavaco, elogia-o e justifica-o. E se inteligentemente lhe dedica um "mas", ele é muito mais lisonjeiro do que crítico.
Sobre si próprio, "gosto de liderar", mas embora saiba que podia "pretender" o lugar de líder "pelas funções que exerci", vê-se mais como elemento de uma equipa geracional que tem, "no momento que quiser, uma palavra decisiva no PSD e di-la-á". Sem Barroso nem Santana Lopes, em cujos regressos (partidários) não acredita.
Não será novidade para Marques Mendes que a lei da selva também é uma lei da vida. E que, por isso, só uma putativa certeza da derrota lhe poderá salvar a liderança até às legislativas. Os destinos políticos também são feitos de oportunidades. Mas, com correligionários assim, esta é a oportunidade do louva-a-deus para acasalar.
«DN» - 10 Dez 06

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