25.3.07

A arruaça

PAULO PORTAS LANÇARA O SEU DESAFIO e o Conselho Nacional do CDS estava marcado, quando aqui escrevi: "não haverá peito aberto nem floretes, mas tocaias e sovelas"; e noutro passo "vão meter Jesus Cristo na gaveta". Oxalá isto fosse prever o pandemónio de Óbidos, mas não foi. Foi constatar por antecipação. E o mérito vai inteirinho para a absoluta previsibilidade de factos e agentes.
O certo é que tudo correu mal a toda a gente. À direcção do CDS, porque o decurso dos "trabalhos" pôs a nu a confortável maioria de que dispunham os apoiantes de Portas. A este, porque o triunfo de Pompeu que sugerira - a cara ao sol por entre tubas e estandartes - esbarrou num entediante impasse processual e descambou na miseranda arruaça que as televisões bondosamente quiseram mostrar ao país. Enfim, a uma e outro, porque o potencial eleitor não logrou ver enunciada uma ideia ou apontada uma nesga de futuro, tudo ficando por dois ou três slogans proclamados com mais solenidade do que fé.
Não é pacífico o que possa sair de tudo isto. Da cisão à resignação dos vencidos, há crentes para tudo. Desde um extremo que vê na ocorrência a própria certidão de óbito do partido, até outro cuja candura aponta ainda para um final feliz (claro que para que o que é mau acabe bem basta que acabe). Mas mesmo os devotos nostálgicos da refundação da direita reconhecem já que a iguaria dificilmente sairá desta panela. E que um hipotético alargamento ao centro-direita é malabarismo que não se fará graças ao CDS, mas - e se milagre houver - apesar dele.
Também a convicção, muito business-oriented, de que a matriz cristã do CDS não "rende", baseada na verificação de que houve aventuras fora dela que começaram por ser eleitoralmente bem sucedidas, esquece como todas terminaram em desgraça. Servem só para o CDS dar a maioria absoluta a um partido que haja ficado à beira dela e para proporcionar a quatro ou cinco dos seus quadros um breve cruzeiro turístico pelo aparelho do Estado. Mas denunciam também a total redundância dos projectos conservadores, liberais e populistas com os de uma direita do PSD que goza de bem maior implantação.
A ressurreição dos mártires numa vida melhor ainda carece da confirmação dos próprios. Até ver, só está demonstrado o pouco apreço que eles tinham pela vida que levavam. Quem quiser refundar a direita a partir do CDS irá lançar, por sobre a certeza do cadáver dele, a mais duvidosa das epopeias.
«DN» 25 Mar 07

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