22.3.07

O DIABO DA VELOCIDADE

FACE ÀS NOTÍCIAS surgidas na imprensa de ontem sobre o comportamento rodoviário anti-social de um pároco de Santa Comba Dão, a direcção da ACA-M decidiu dirigir-se ao Papa Bento XVI, à Conferencia Episcopal portuguesa e ao Arcebispo de Viseu, pedindo à hierarquia eclesiástica que ajude aquele sacerdote a exorcizar o seu desmedido prazer pela velocidade que a potência do seu Ford Fiesta 200 ST lhe permite atingir.
A Sua Santidade o Papa Bento XVI,
Sumo Pontífice da Igreja Católica
A Sua Eminência Reverendíssima Dom Jorge da Costa Ortiga,
Arcebispo de Braga, Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa
A Sua Eminência Reverendíssima Dom Alfio Rapisarda,
Núncio Apostólico da Cúria Romana em Portugal
A Sua Excelência Reverendíssima Dom Ilídio Pinto Leandro,
Bispo de Viseu
A Sua Reverência Padre António Rodrigues,
Pároco do Couto do Mosteiro
Dirigimo-nos a V. Santidade para apresentar o seguinte pleito:
O comportamento rodoviário anti-social do sr. Padre António Rodrigues, pároco do Couto do Mosteiro, em Santa Comba Dão, foi noticiado ontem, dia 21/03/07, em alguns jornais diários portugueses (Público, p. 14, “Um padre movido a fé e adrenalina”, 24 Horas, p. 21, “O padre tem uma máquina... dos diabos”).
O sr. Padre António Rodrigues orgulha-se de ser proprietário de uma “autêntica bomba”, um Ford Fiesta 200 ST de 150 cavalos de potência, adquirido “no estrangeiro”, e de “andar no picanço na A25” (competir com outros utentes daquela que já foi conhecida internacionalmente como a “estrada da morte”, tantas foram as vítimas mortais naquele trajecto).
O sr. Padre António Rodrigues, que afirma gostar da “adrenalina provocada pela velocidade” e “de sentir a potência debaixo do pé”, vangloria-se ainda de o seu automóvel chegar facilmente aos 210km/h, acrescentando que “Graças a Deus” nunca foi multado, e que, antes de padre é um ser humano.
Finalmente, admite que utiliza o seu carro para levar os jovens [das aldeias] a “dar uma volta”, e para “chegar a tempo às 3 igrejas da paróquia” (que distam entre si não mais que 13 km).Foi com horror que a Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados tomou conhecimento destas notícias. E é com natural incómodo que nos dirigimos a V. Santidade para notar que:
1) Um padre é um cidadão. Nesse sentido, não pode colocar os seus deveres de padre (chegar a horas às diferentes igrejas onde oficia, transportar jovens entre aldeias) à frente dos de cidadão. Numa palavra, não se pode colocar acima da lei da república portuguesa.
2) Um padre católico é um homem, mas antes de ser homem é padre. Caso pusesse o ser “homem normal” antes do sacerdócio, não haveria motivo para cumprir o princípio do Celibato. Ora um padre tem de dar o exemplo, porque nele o Sentido Ético é o mais importante.
3) Um padre é um predicador – não por acaso é tantas vezes também professor de Religião e Moral. Um guia espiritual que molda o comportamento e valores de outrém.
4) Um padre é, sine qua non, um modelo de virtudes – não pode ser um repositório de pecados.
O arrepiante comportamento descrito nas notícias testemunha um deslumbramento ingénuo pela velocidade, pela ilegalidade, e pela irresponsabilidade social, que é seguramente condenável pela hierarquia da Igreja católica.
Mais ainda, o sr. Padre António Rodrigues parece crer, na sua cega vaidade, que a providência divina o favorece, permitindo-lhe fugir às sanções judiciárias humanas. Como ele diz: “Graças a Deus, não [sei] o que é uma multa”.
Acreditamos que o sr. Padre António Rodrigues não esteja agindo de má fé, e acreditamos ele conseguirá arrepiar caminho e compreender quão longe se encontra hoje dos valores implícitos no sacerdócio que assumiu. Vimos assim pedir a V. Santidade que ajude este infeliz pároco a ponderar a gravidade dos seus actos e a imodéstia das suas palavras, e a resistir às tentações conjugadas da velocidade e da vanglória.
Despedimo-nos respeitosamente.
Direcção da ACA-M
Lisboa, 21/03/07

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