14.7.07

O Porto de Lisboa

Por J. L. Saldanha Sanches

UMA GRANDE EMPRESA MULTINACIONAL, a banca, um grupo financeiro nacional, a Igreja católica, a Maçonaria são centros de poder que nenhum governo pode ignorar: grupos de pressão com que o poder político tem de conviver.
Os governos podem oscilar entre a submissão abjecta, a hostilização aberta ou uma tentativa de arbitragem política mas não podem, nem em Portugal, nem em nenhum país do mundo, ignorar a sua existência. Poderes económicos e correntes de opinião organizadas são os lóbis que condicionam e limitam o poder democrático.
Percebemos de onde vem o seu poder e como o exercem: no entanto, em Portugal temos outro tipo de grupos de pressão, duradouros e poderosos.
Os gestores (nomeados pelo poder político) do Porto de Lisboa ou os generais de opereta (com muitas estrelas e pouca tropa) são também grupos de pressão: teoricamente dependem do poder político (umas tantas linhas no Diário da República e deixavam de existir) mas parecem ter uma qualquer legitimidade própria que lhes permite afrontá-lo.
Em princípio, as estruturas públicas são criadas num qualquer momento histórico para servir uma qualquer função e são extintas quando as condições mudam e deixam de ser úteis. Em Portugal, não. Têm uma natureza perpétua e resistem a qualquer tipo de mutação.
A Administração do Porto de Lisboa conseguiu mesmo a difícil proeza de pôr de acordo todos os candidatos à Câmara de Lisboa contra os seus projectos de construção de um centro comercial e um centro de congressos no seu novo terminal de cruzeiros: uma empresa privada, investindo o seu próprio dinheiro, teria que negociar e obter licenças da câmara. O Porto de Lisboa não: é o que nos sobra das companhias majestáticas do séc. XIX dispondo soberanamente do seu espaço por meio de uma misteriosa legitimação. Há alguns anos (isto já vem de trás) um seu gestor justificava os seus vastos poderes explicando que já era assim há quase um século: o facto de uma esfera de competências talvez adequada à Lisboa de então ser hoje provavelmente anacrónica era alguma coisa que lhe não ocorria.
Para além do caricato, sendo a AGPL um serviço do público e não um qualquer ente autónomo, há qualquer coisa de estranho no facto ser um tema da campanha de Lisboa: um parceiro no debate político que aconselha moderação ao candidatos.
As razões de tudo isto estão no modo como funciona o sector empresarial do Estado e no modo como certos personagens se podem tornar em centros de poder autónomo com uma legitimidade própria: uma legitimidade fáctica especialmente visível no caso da AGPL.
O cumprimento preciso das regras constitucionais impediria este estranho aparecimento de contra-poderes dentro do sector público: eles surgem geralmente como trocas de favores mais ou menos lícitos que criam dívidas e geram poderes: mesmo em período de reformas (quando o Governo consegue fazer coisas tão impopulares como o aumento da idade da reforma) sobrevivem como uma espécie de subgovernos refractários às mudanças e ao corte de despesas públicas.
A sua sobrevivência e imutabilidade, aparentemente estranhas, inserem-se igualmente no profundo conservadorismo que domina a sociedade portuguesa e que mantém estruturas anacrónicas apesar de se terem tornado a forma menos eficiente de fazer as coisas. Existem porque existem e porque certos interesses, ocultos mas poderosos, os querem manter.
«Expresso» de 13 de Julho de 2007

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1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Já agora...
"Até Maio os cofres do Estado tinham arrecadado 33,1 milhões resultantes de infracções ao Código da Estrada, mais 11,5 milhões do que em igual período de 2006."
Em terra de pobres pagamos multas de gente rica.
Entretanto as polícias (PSP e GNR) passaram a a ser agentes de "insegurança". Diariamente é vê-los emboscados na caça ao cidadão. Prevenção? Presença dissuasora? Patrulhar? Uma ova. Não há efectivos...
E assim temos mais duas mafias legalizadas mas todo o mundo continua a assobiar para o ar!
Abençoadas gentes!

14 de julho de 2007 às 18:09  

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