25.1.08

Pelo menos, dantes...

Considerações diversas
acerca do que é amor pela cidade.
Os casos de Lisboa e do Porto -
pelo menos, como era dantes...
Repare-se nas duas fotos do meio, tiradas com mais de 24horas de intervalo. O saco com lixo foi colocado na berma da rua e os carros foram passando por cima. A cena, que ainda decorre, passa-se num cruzamento da finíssima Av. de Roma, em Lisboa.
Por C. Medina Ribeiro
EMBORA A MINHA VIDA, nas últimas décadas, tenha estado centrada em Lisboa, nem sempre foi assim, e, tendo nascido no Porto, passei lá - no total - não poucos anos. O certo é que tem sido essa rica vivência-dupla que me tem permitido desfrutar de uma compreensão de realidades muito diferentes (como são as sociedades lisboeta e portuense), que facilmente escapam a quem só conhece uma das duas cidades.
Não sei se as considerações que seguidamente faço ainda são totalmente válidas, mas posso garantir-vos que, pelo menos, o eram até há bem poucos anos.
Por exemplo:
Enquanto, em Lisboa, a esmagadora maioria da sua população não nasceu na cidade (nem sequer nos arredores!), a quase totalidade dos habitantes do Porto, ao invés, é nada e criada no burgo ou à vista dele.
Enquanto, em Lisboa, é perfeitamente possível não se saber o nome do vizinho do lado, isso é (era) impensável no Porto.
E por aí fora, numa série de pequenas coisas que fazem com que seja muito diferente o relacionamento entre pessoas, sendo inegável que o sentido de grupo e de entreajuda é muito mais forte entre as do Porto - uma realidade que, tanto quanto sei, ainda se mantém, embora deslizando, com frequência, para um bairrismo exacerbado difícil de aceitar no século XXI.
Inversamente, a falta de amor pela cidade é a regra na capital - tirando algumas zonas restritas que têm e mantêm vida de bairro, mas que são uma excepção cada vez mais submersa numa grande metrópole em que cada um trata de si.
Veja-se como é actual o que, há mais de 100 anos, dizia Trindade Coelho:
-oOo-

Ao autor do melhor comentário que seja feito até às 20h de terça-feira, dia 29, será atribuído um exemplar do livro «Cidade Escaldante», de Chester Himes.

*

Actualização 1 (31 Jan 08/20h30m): após a votação pelos leitores, o prémio foi ganho por Daniela, a quem vai ser enviado o prémio (um exemplar do livro «Cidade Escaldante»).

Actualização 2: mesmo depois de terminado o período de votação, os comentários prosseguem: acaba de ser afixado mais um.

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13 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não serei de todo a pessoa mais indicada para opiniar sobre o tema proposto já que, e apesar de fazer parte da metrópole portuense, resido na periferia, podendo considerar-me uma 'bairrista'.

Contudo, as alterações no modo de vida da classe média e média alta, sobretudo, reflectem a sua posição no seio da sociedade. Refiro-me, essencialmente, à falta de tempo para tudo. Concordando com o autor da crónica, actualmente não é possivel assistir (em grandes meios) a conversas de esquina, a empréstimos de salsa ou a traquinices de crianças vizinhas. Observamos sim encontrões, 'stressados', deprimidos, "perdidos e desnorteados". Esta situação é evidente com mais força na capital, verdadeiramente. No entanto, com a ambição de sermos tão ou melhor metrópole que Lisboa, a cidade portuense vê-se na situação de copiar todos os hábitos 'lá de baixo'. As grandes cidades e as de média dimensão tornam-se, portanto, naquilo a que se chama "terra de ninguém"! Não existe mais o amor à terra-Natal. É tudo comum, público e efémero.

É por tudo isto que ser bairrista ainda é motivo de orgulho! Mas isso, sou eu que digo!

26 de janeiro de 2008 às 00:04  
Blogger Politikos said...

Caro Medina Ribeiro
Nasci há já mais de quatro décadas na Maternidade Alfredo da Costa o que faz de mim um dos mais alfacinhas dos alfacinhas. Morei 10 anos nos subúrbios. Não descansei enquanto não voltei à «minha» cidade. E paguei bem caro para poder morar no centro Lisboa. Alguém me disse, então, que me deviam era «pagar» por vir repovoar Lisboa… Lembro-me, numa das minhas primeiras noites em Lisboa, de ir à janela e olhar para o passeio em calçada portuguesa e não em paralelepípedos de aglomerado de cimento; olhar para as placas com os nomes de ruas em pedra de lioz com caracteres gravados a preto e não em chapa com letras pintadas a azul e sentir-me de novo em casa. Se isto não é «amor pela cidade» não sei o que seja.
Bom fds

26 de janeiro de 2008 às 00:14  
Blogger R. da Cunha said...

Do que me é dado conhecer de Lisboa, o aqui dito ainda corresponde, parcialmente, à realidade: há grandes diferenças entre as duas cidades. O bairrismo, no Porto, por vezes excessivo, é um facto: o portuense diz muito mal da sua cidade, mas gosta dela, com todas as suas características, um pouco provincianas. Salvo nos mais modernos condominios, as pessoas conhecem-se: da rua, do cafe (creio que o café é, ainda, embora em muito menor escala, uma instituição portuense). Já não há, é evidente, os grandes cafés de há anos, que deram lugar a bancos e que agora viraram lojas de artigos chineses, onde eram feitos os negócios e as elites se encontravam. Mas ainda há cafés de referência, como o Majestic e o Guarani. E continua a haver muitos cafés, onde se lê o jornal e se convive (agora menos, por causa do fumo; oxalá não matem os cafés do Porto).
O Porto tem orgulho em receber bem, mas tem vindo a sentir-se desprezado pela capital, e com certa razão. O Porto pujante do comércio, da indústria, da banca (grandes bancos nasceram no Porto, como se sabe), das letras, das artes, da grande burguesia, está hoje deprimido, e sente que Lisboa (o Terreiro do Paço) é culpada. Lisboa "suga" a "inteligência" existente no Porto, onde se localiza a maior Universidade do País e que não consegue segurar os seus licenciados. A culpa é, também dessa "inteligência" que emigra e esquece. E é também da qualidade dos políticos que temos tido. Alguns, bons, emigram também e esquecem, o que, pessoalmente, não entendo. Por tudo isso, o Porto "vinga-se" nos feitos do clube mais representativo da cidade, por vezes, para não dizer sempre, de forma demasiado provinciana e pseudo-bairrita, para meu gosto.

26 de janeiro de 2008 às 00:26  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

1- Nota genérica:
Para efeitos de prémio, se houver vários comentários feitos pelo mesmo leitor serão considerados como sendo um único.

2- Esqueci-me de referir os cafés e pastelarias do Porto, que continuam a ser em grande número e bastante frequentados.

3- Trabalhei quase 30 anos na EFACEC, empresa com escritórios em Lisboa e sede no Porto. Também no mundo empresarial as formas de relacionamento são completamente diferentes entre Lisboa e Porto.

Há pequenos 'ódios de estimação' entre as duas comunidades (com resultados desastrosos para a empresa), mas o espírito de grupo das pessoas do Porto é incomparavelmente superior.
E isso tem influência - e de que maneira! - no prosperar (ou não) dos negócios.

4- Politikos:

Quando me refiro aos lisboetas-tipo refiro-me à grande maioria de desenraizados.
A geração que tem mais de 50 anos não nasceu em Lisboa.
As mães iam ter os filhos à terra, era para a terra que sonhavam ir na reforma, e era na terra que queriam morrer.

Ao contrário do Porto, onde se nascia, crescia e morria.
É possível que, a pouco e pouco, a realidade se vá alterando.
Mas na zona onde vivo (nas Avenidas Novas), a população é muito envelhecida e não conheço UMA ÚNICA dessas pessoas que tenha cá nascido. A cidade diz-lhes muito pouco, em termos sentimentais.

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Há ainda os 500 mil que entram na cidade de manhã e saem à tarde.
Quantos deles sofrem, verdadeiramente, com a cidade suja, engarrafada, cheia de pedintes, grafitada, cagada pelos cães, desordenada, com jardins ao abandono...? Muito poucos.
A maioria passam por isso tudo sem - sequer - ver.

26 de janeiro de 2008 às 09:57  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Aqui ficam mais algumas coisas para reflectir:

1- Da mesma forma que, na rua, identificamos um estrangeiro só pelo aspecto, também as pessoas de Lisboa, quando vão ao Porto, são facilmente identificadas como tal.
O inverso raramente sucede, a não ser em relação às pessoas que dizem "pom" em vez de "pão".

2- Lembro-me dos tempos em que, no Porto, era perfeitamente normal dar-se o lugar nos transportes públicos a quem mais precisava - quando, em Lisboa, esse hábito (já) não existia e era considerado provinciano.

3- Ao contrário do que sucede em Lisboa, o hábito de "ir almoçar a casa" ainda hoje é frequentíssimo no Porto. Tenho familiares que andam DEZENAS de quilómetros só para isso.

4- A popularidade dos eléctricos, no Porto, aliada a grandes dificuldades de estacionamento, levou ao uso generalizado dos transportes públicos durante muitos anos.

5- O portuense parece viver obsecado com Lisboa. É quase impossível ter uma conversa com um deles que, a certa altura (mesmo a despropósito), não esteja a dizer: «Vocês, os de Lisboa... Vocês, lá em baixo...».
Uma das graçolas quando se construiu a Ponte de Arrábida era dizer que era «a ponte que dá 'rábida' aos de Lisboa».

6- Lembro-me de ouvir na rádio o Pinto da Costa, na inauguração de uma instalação de água quente no estádio, a dizer, no seu discurso: «... e o mais importante é que foi construída por uma empresa do NORTE!!».

Ele e outros, jogando habilmente com os merecidos sucessos desportivos, agiram "à Jardim", criando e alimentado uma mentalidade de cerco pelos inimigos - que são todos.
A população mais inculta aderiu à ideia, por tal forma que, ainda há pouco, pudemos ouvir muita gente a desvalorizar os assassinatos nas ruas da cidade.
Foi aqui escrito, neste blogue qualquer coisa como "antes quero isso do que ter pedófilos na cidade, como sucede em Lisboa" - como se alguém tivesse de escolher entre esses dois terríveis males!
-
Nota final: quando, no comentário anterior, falo em 500 mil pessoas que entram e saem de Lx, pequei por defeito. Só os carros são 400 mil (trazendo mais de meio milhão de pessoas)! Juntem-se as que vêm de comboio, de barco e de motorizada, e teremos um número assustador de gente que constitui a tal população flutuante, sem raízes na cidade nem - logicamente - amor por ela.

26 de janeiro de 2008 às 12:56  
Anonymous Anónimo said...

Vou a Lisboa muitas vezes, mas nunca lá morei. De todas as vezes que vou a Lisboa sinto um pouco o que Medina Ribeiro descreve. No Porto é realmente diferente no que toca ao sociabilidade, apesar de se sentir um crescimento de desinteresse entre uns e outros.
Penso que é um factor que não terá resolução. As cidades vão evoluindo a todos os niveis e as pessoas vão-se centrando cada vez mais em si mesmas e nos seus.
Bom, no Porto os vizinhos ainda sabem o nome uns dos outros e cumprimentam-se quando se cruzam. O atendimento nos cafés ainda tenta ser personalizado, por exemplo se um individuo for mais de duas vezes a um café, o empregado arranja sempre uma forma de estreitar a relação descobrindo o nome da pessoa. Isto também se passa em papelarias e outros comércios. Volto a repetir, infelizmente este "bairrismo" está-se a perder, o que é pena!
No entanto ainda existe!

26 de janeiro de 2008 às 17:25  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Recentemente, fui ao Porto. A certa altura, na R. Sá da Bandeira, estava eu a consultar um horário de autocarro, quando uma senhora se aproximou e, sem que eu pedisse nada, desatou a dar-me todas as informações que achou que me eram necessárias! Só faltou enfiar-me no autocarro!
E não se tratava de nenhuma excepção; o que se passou é habitual.

Em Lisboa, o canalizador que é meu vizinho e vem a minha casa de vez em quando, faz de conta que não me conhece quando, horas depois, se cruza comigo na rua.

O meu prédio tem 14 inquilinos. Até há pouco tinha 5 casas devolutas, que foram todas alugadas em pouco tempo.
Assim, de um momento para o outro, o prédio tem mais de uma dúzia de pessoas novas.
Ninguém se fala, ninguém se conhece, ninguém se apresenta - nem ninguém está interessado nisso!

Pelo que conheço do Porto isso seria, pura e simplesmente, impensável.

--
Por outro lado, no que toca a lixo nas ruas, o Porto sempre foi muito pior:
Já em Lisboa havia caixotes do lixo normalizados (e recolha feita por camionetas mecanizadas), e ainda no Porto as pessoa punham sacos de lixo à porta.

26 de janeiro de 2008 às 18:48  
Blogger R. da Cunha said...

Não pretendo fazer um novo comentário, apenas uma precisão: diz o CMR que em Lisboa já havia recolha de lixo noramliazado e no Porto se punham os sacos à porta. É verdade. Só que, as pessoas colocavam-nos pouco antes de o carro de recolha passar (havia excepções, é verdade). Hoje, é ver os contentores de recolha cheios, abertos e sacos no chão. Devo dizer que preferia o primeiro método, que falhava nos fins de semana. Mas agora, na maior parte dos casos, a recolha não é feita aos fins de semana, e às segunda-feiras, de manhã, é um espectáculo degradante. Mas olhe que Lisboa não é melhor!

26 de janeiro de 2008 às 19:18  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

R. da Cunha:

Pois... Estou, neste momento, a actualizar a imagem que aqui coloquei. Daqui a pouco vai ver...

26 de janeiro de 2008 às 19:22  
Blogger Politikos said...

Caro Medina Ribeiro
Tem razão no que diz sobre os desenraizados. Mas acredite que há muita gente de 40, 30, 20 que foi obrigada a sair da cidade para subúrbios incaracterísticos e que anseia voltar. E se alguns foram atrás dos jacuzzi das banheiras outros não se importavam nada de prescindir deles e voltar para as casas com história do centro da urbe. Haja condições para isso.

27 de janeiro de 2008 às 13:48  
Blogger nanda said...

Nasci e trabalho em Lisboa. A empresa em que trabalho tem ramificações no Porto e em Faro. A comunidade da área em que trabalho no Porto é unida. Em Lisboa ignoram-se, por falta de tempo ou de de hábito. No Porto reunem-se uma vez por mês à volta de uma boa mesa. De vez em quando convidam-me e vou almoçar lá acima com eles. O ambiente é ruidoso, são amigos... mas já os vi zangados. Dizem o que pensam, sem entraves. Às vezes são agressivos e primários... mas sinceros... e muito teimosos. Em Lisboa nunca uma discussão à volta de uma mesa atingiria aquele grau de envolvimento. Isto acontece em reuniões informais, no entanto, em jantares de cerimónia ... são muito mais formais que os lisboetas.
Em Lisboa, na minha área as mulheres e os homens equivalem-se em número. No Porto as mulheres são em número muito reduzido. Haverá alguma explicação? Em Faro a comunidade é muito menor, mas não encontro diferenças em relação a Lisboa.

O que os fez tão diferentes?

27 de janeiro de 2008 às 15:02  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Sim, pelo menos a geração anterior à minha caracterizava-se, no Porto, por uma grande sinceridade, por vezes excessiva.
Conheci pessoas que, quando queriam dizer que alguém era hipócrita, diziam que era "lisboeta".
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Pelo menos nessa época (até aos anos 50/60) o Porto era uma "aldeia grande", no que isso tem de bom e de mau.

Era quase impossível irmos à baixa e não encontrar alguém conhecido.

Camilo, que viveu muito tempo no Porto, descreve muitas realidades que ainda conheci, várias décadas depois.

27 de janeiro de 2008 às 19:34  
Blogger Carlos Medina Ribeiro said...

Comentário enviado por M. Manuela M. Moura:
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Sempre vivi no Porto. Tenho quase 60 anos. Durante os meus 30 primeiros anos, a cidade manteve-se quase imutável e neste momento, para além da grande degradação a que o centro (tradicional) da cidade está votado, a cidade é mais uma cidade igual a tantas outras.
O Porto não foge à globalização quer a nível do urbanismo quer a nível sociológico. Cafés tradicionais transformados em Macdonalds, em bancos, pizzarias etc.. Cinemas desactivados. Centros comerciais por toda a parte. Avenida dos Aliados,com as suas áreas ajardinadas, por muitos, considerada a sala de visitas do Porto, palco de grandes manifestações cívicas antifascistas, reivindicativas e de regozijo, transformada num espaço cinzento, de granito, desconfortável. Comportamentos sociais agressivos
ou indiferentes a ganhar, cada vez, mais terreno.
A vida de café, principalmente depois de jantar, desde o dia 1 de Janeiro levou um rude golpe e poderá dar lugar a que a convivialidade e a sociabilidade se ressinta.
Claro que já não pedimos o pezinho de salsa nem um ovo à vizinha.
Todavia, mudámos, há relativamente pouco tempo de casa, e alguns moradores da rua onde nos instalamos, rua pequena, deram-nos as boas-vindas com grande simpatia.
Mas não desesperemos.O Porto conseguirá recuperar a dignidade que hoje está ameaçada.

1 de fevereiro de 2008 às 15:06  

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