28.6.11

O plágio e o perjúrio

Por Maria Filomena Mónica

MUITO se tem escrito sobre o «copianço» que, há algumas semanas, teve lugar num exame de candidatos a juiz e a procurador. O facto é gravíssimo, mas pior foram as soluções tomadas, em sucessivas golfadas, pelos responsáveis do sector. Desde a extraordinária ideia de dar 10 valores a todos os alunos – note-se que estes são licenciados em Direito, usufruindo, para frequentar o curso, de uma bolsa de estudo paga por todos nós – até ao remendo idiota de os obrigar a repetir o exame, tudo é inacreditável. Que eu saiba, o plágio é um crime e estes rapazes e raparigas - os que copiaram - deveriam ter sido expulsos e, mais importante, demitida a direcção do Centro de Estudos Judiciários. Não é a primeira vez que isto – um plágio seguido de uma classificação de 10 valores - acontece naquela instituição. Se agora dele temos conhecimento foi porque alguém deu com a língua nos dentes perante um jornalista.
Vivemos num país de aldrabões congénitos. De facto, existe uma linha horizontal que divide a Europa. A norte, a mentira é tida como uma falta grave; a sul, fazemo-lo todos os dias. Por uma razão: ao contrário da Protestante, a Igreja Católica tem a faculdade de, no confessionário, apagar as malfeitorias. Se não acreditam nesta diferença cultural, vejam com atenção o que se passa nas séries americanas, onde o perjúrio é severamente punido. Entre nós, mentem impunemente políticos, empresários, futebolistas, médicos, professores… Não vale a pena alongar-me. É o regabofe consagrado em prática comum.

Veja-se, a título de exemplo, o que se passou recentemente no caso da «Casa Pia». Não sendo jurista, só aquando das declarações do ex-motorista da Casa Pia, no sentido de que afinal não conhecia os indivíduos que tinha acusado, percebi que as coisas eram mais complicadas do que pensara. Pelos vistos, uma vez que era arguido, Silvino tinha o direito de mentir em tribunal (excepto no que diz respeito à identificação e aos antecedentes criminais), não podendo ser alvo de sanção penal.
O mesmo não sucedia com uma das reais ou supostas vítimas de pedofilia, Hilário Marques. Três meses depois da epifania de Silvino, este declarou que, ao longo de todo o processo, também havia mentido. De acordo com o seu relato, não fora apenas ele a fantasiar, mas os seus companheiros. Ao serem confrontados com as fotografias que a PJ lhes havia mostrado, e por pretenderem fama, teriam escolhido gente conhecida, em vez de pessoas anónimas. Interrogado pelo jornalista sobre a possibilidade poder vir a ser acusado de perjúrio declarou que afinal apenas a consciência lhe importava. Até à data, nada lhe aconteceu.
A responsabilidade é de muitos – de uma investigação policial canhestra, de testemunhas mentirosas e de um povo que tolera a mentira – mas não pode ser repartida da mesma forma. Os principais culpados pelo estado em que se encontra a Justiça são os juízes, que desculpam o perjúrio, e os legisladores, que elaboram leis criminais deficientes.

«Expresso» de 25 Jun 11
.
PS: No dia seguinte a ter escrito esta coluna, soube que a directora do CEJ tinha pedido a demissão. Fez muito bem. Penso contudo que deveria ter sido imediatamente exonerada e encerrada a instituição.

Etiquetas:

3 Comments:

Blogger GMaciel said...

O mais grave, para mim, é ficar sem saber se mentiram antes ou se estão a mentir agora. Mas parece que isso não tem importância alguma, escolhe-se a que mais nos convier.

Portugal é o país dos fenómenos: há pedófilia mas não há pedófilos e há corrupção mas não há corrompidos.

E siga a banda!

28 de junho de 2011 às 19:11  
Blogger 500 said...

O copiança por parte dos futuros juízes e magistrados foi das coisas mais abonináveis de que houve conhecimento nos últimos tempos. Só havia uma solução: todos os candidatos irradiados e demisão imediata dos responsáveis pelo CEJ.

28 de junho de 2011 às 22:15  
Blogger José Batista said...

"Vivemos num país de aldrabões congénitos".
Somos um país de aldrabões congénitos.
E os que o não são passam mal.

28 de junho de 2011 às 22:49  

Enviar um comentário

<< Home