29.4.13

Eça e os Concursos do MNE

Por Maria Filomena Mónica 
HÁ DIAS, um jovem candidato a diplomata telefonou-me a saber se a resposta certa à pergunta sobre o escritor que «inspirara» O Crime do Padre Amaro era Dostoievky. Imaginando que os autores do teste em questão deveriam ter considerado que a correcta seria Zola, aventei a hipótese de todas as respostas estarem erradas. Uma semana depois, o MNE anulou a prova, por não estarem asseguradas «as condições de igualdade entre todos os candidatos, uma vez que, em algumas salas, foi autorizada a substituição do enunciado da prova e, em consequência, de respostas rasuradas». Que explicação mais estranha. 
Mas voltemos a Eça. A questão dos chamados plágios queirozianos vem de longe. Em 1878, Machado de Assis acusou Eça de ter «imitado» Zola, uma impossibilidade cronológica, visto o primeiro ter deixado, em Dezembro de 1874, o manuscrito do referido livro nas mãos de Batalha Reis, o qual, em Fevereiro, o começou a publicar na Revista Ocidental. Ora, a obra de Zola só veria a luz do dia após essa data. A coisa diverte-me, porque Eça teve de se submeter igualmente a um concurso. Em 1870, pensou que o melhor que tinha a fazer na vida era ser nomeado cônsul na Baía. Consultei, no arquivo do Ministério, as provas por ele redigidas. Previsivelmente, denotam uma cultura superior.
Eça era um génio, mas não era um santo. Ficou logo irritado quando soube que alguém, que não ele, ficara em 1.º lugar. Os candidatos, em número de oito, haviam sido obrigados a satisfazer vários requisitos: às habilitações académicas, tiveram de acrescentar atestados de «bom e efectivo serviço» na administração pública, o que o seu rival possuía em grau mais elevado. Apesar de não ter qualquer experiência administrativa, Eça apresentou uma certidão de bons serviços, assinada pelo governador civil de Leiria, com data de 1 de Agosto de 1870, um facto que só se pode compreender, se pensarmos que alimentava a ilusão de que ninguém compararia datas. Quem o fizesse, veria que o governador civil apenas tivera um dia, no máximo dois, para apreciar o seu trabalho. Mais tarde, em As Farpas, publicou um artigo (que não incluiria em Uma Campanha Alegre) onde afirmava não ter ficado em 1.º lugar, entre outras coisas, devido aos «empenhos» utilizados pelo seu rival, Manuel Saldanha da Gama. Ao contrário do que sucede com este, há provas de que Eça usou cunhas para tentar obter o emprego. Eça era um malandro, mas é o meu malandro. Por isso, não gosto que utilizem o nome dele em vão. 
Sei que este ano se candidataram 2.000 licenciados a 20 vagas, mas isso não é desculpa, até porque o Ministério sabe que tal avalanche já existiu e que voltará a acontecer. A massificação do ensino superior e a elevada taxa de desemprego juvenil conduziu, como se vê, a um aumento de apetite pela diplomacia, o que, ao contrário do que alguns pensam, não justifica o tipo de testes utilizados. Caso vivesse hoje, duvido que Eça de Queirós tivesse conseguido entrar na carreira diplomática. 
«Expresso» de 27 Abr 13

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