30.5.13

As ossadas da avó? Ao pé das cebolas...

Por Ferreira Fernandes
HÁ MEIA dúzia de anos, da Venezuela, escrevi sobre os cangalheiros que recusavam velórios noturnos quando o morto era jovem e bandido. Tornara-se hábito nos gangues juvenis levar o falecido para uma última ramboia pela noite de Caracas. E o que incomodava os cangalheiros nem era tanto o desrespeito pelo corpo mas as carrinhas funerárias serem também levadas na procissão festiva... Afinal, corpos a passear como última homenagem até pode ser aceitável: um dos maiores sucessos de Jorge Amado é A Morte de Quincas Berro d"Água, a história baiana de um copofónico militante que morre. Velado por amigos também da confraria da cachaça, foi aparecendo um sorriso no morto, noite adentro. Daí a ser arrastado para comemorar a ressurreição foi um passo que levou ao belo romance. A amizade redimiu a violação do tabu que é não respeitar os mortos. Essa atenuante parece não ter o casal que vai agora a julgamento por guardar na despensa o cadáver da avó durante quatro meses. Não, não os moveu a dor da separação. Foi mesmo só vigarice, uma complicada troca de ossos para processar a junta de freguesia... O advogado de defesa só tem uma escapatória: convencer o tribunal de que não foi despensa. Com as ossadas levadas para a salinha de estar, para a velha senhora continuar a ver a telenovela preferida, esta história sórdida ganharia a generosidade dos bandidos caraquenhos e bêbados baianos. Na despensa, é só uma história de netos rascas. 
«DN» de 30 Mai 13

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