O poder como manigância
Por Baptista-Bastos
GRAVES
e concentrados comentadores do óbvio precipitaram-se,
entusiasmadíssimos, no discurso proferido pelo dr. Paulo Portas,
domingo, acentuando o carácter "contundente" (disse um) do texto e a
"notória divergência" (acentuou outro) com afirmações do dr. Passos
Coelho, proferidas na sexta-feira anterior. A confusão, o despautério e o
vazio de ideias grassam, infrenes, na Imprensa e nas televisões. Nem um
anotador do facto revelou que o dr. Portas ocupara meia hora das
televisões e do nosso pasmo para dizer rigorosamente nada. Melhor: para
reafirmar a sua fé e a sua esperança, por igual intactas, no
primeiro-ministro e nas suas sábias decisões. A fim de salvar as
aparências, anunciou que defendera, com denodo e compaixão, os pobres
pensionistas, aos quais, mercê dessa sua obstinação cristã, já não seria
extorquida nem um cêntimo da reforma. E que, por sua intervenção, a
idade limite para o trabalho não seria fixada em 67 anos, mas sim 65 e
meio.
A encenação, organizada logo a seguir à fatal sexta-feira,
com atabales e tubas, atingia o clímax. Até ontem, a algazarra não
parou, atribuindo às declarações do dr. Portas uma distintiva aura de
coragem e de espírito cristão-democrata. Quanto ao discurso, que ele
leu, circunspecto e apoiado em gesticulação adequada, é um monumento de
hipocrisia, com as preposições no lugar certo e a retórica que
desconhece a ética e oculta um significante vazio. O engenho dele para o
excesso, divertido, mas apenas convincente para otários e simpatizantes
de jornalismo, é bem superior ao de Passos, desprovido de qualquer
resquício de talento, tanto nesta como em outras matérias.
Portas
percebe muito bem que o Governo está nas vascas da agonia. Mas não quer,
por investimento político, dar-lhe o abanão final; como não deseja
parecer o espeque que sustenta o edifício em ruínas. Diz umas coisas que
agradam a tolos e confundem qualquer princípio de explicação racional
das coisas. Espera, espera, com a certeza de que o tempo causará o que
ele, agora, recusa praticar. Sempre soube regular as paixões e os
interesses, combinando ambos com uma intuição que não admite regras, e
que o torna no grande sobrevivente da política portuguesa.
Recorde-se
a traquinada ao Marcelo Rebelo de Sousa, ou a urdidura que o fez trepar
a presidente do CDS-PP, armadilhando o desventurado Manuel Monteiro,
sua criação pessoal. Portas e Marcelo equivalem-se, na negligência moral
e no tripúdio das mais elementares normas sociais de convivência. Como é
um manipulador quase imparável e um sedutor sempre insatisfeito, os
malabarismos deste género de política regalam-no e empolgam os que de
ele se aproximam. Porém, compreende que o seu tempo está a chegar ao
fim. Esta ambiguidade de carácter faz parte das suas autodefesas.
«DN» de 8 Mai 13 Etiquetas: BB
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