Cotação do mexilhão continua a descer
Por Ferreira Fernandes
ANTÓNIO, já no fim da picada, vai a um desses programas de TV em forma de ombro onde se apoiar. Fátima, a apresentadora, passa-lhe a mão pelos cabelos. É tudo metáforas, António até é careca, mas temos ali um desses momentos que substituem as conversas antigas entre vizinhos: um lamenta-se, outro escuta. Com um porém: agora, quem escuta tem contrato gordo, tão mais gordo quanto os Antónios convençam. Esse convencimento mede-se, chama-se audiências. Ora, o António daquela tarde (15 de julho, TVI) diz que teve três ourivesarias, ontem; nenhuma, hoje. Lei: a felicidade que desanda vale mais no mercado da piedade do que a miséria sempre vivida. O António diz que lhe morreu a família inteira. Outra lei: impressiona mais a solidão vivida por quem já foi feliz. E, sobretudo, o António chora.
Acabou o programa. Que ganhou o António? Talvez uma sandes, duvido que um táxi de volta ao seu lar dos sem-abrigo. O que ganhou a Fátima? Bem. Quando não ganhar bem as páginas de jornais di-lo-ão.
Nem passaram 15 dias, e António volta à popularidade. Parece que em vez de três ourivesarias só teve uma, em vez da família morta, só lhe morreu uma filha. De confirmado: só é velho, só é solitário, só é sem-abrigo. Só. O resto são lágrimas ilegítimas. Indignada por a terem aldrabado, Fátima diz: "Agora o senhor terá de responder à justiça." Digo eu à Fátima: não cuspa na sopa. Sobretudo quando ela nos engorda e não nos custa a ponta de um corno.
"DN" de 27 Jul 13Etiquetas: autor convidado, F.F
1 Comments:
Grande texto.
Parabéns.
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