28.6.14

Não há lição a tirar, é assim

Por Ferreira Fernandes
O mundo começou faz hoje cem anos. Era a Belle Époque, um casal de príncipes de Viena num descapotável, chapéus pintados por Toulouse-Lautrec e nem os dois tiros da pistola abafam as valsas na gentil Sarajevo. A História tem sentido cénico, sabe criar o momento que anuncia o seu contrário. Os penachos nas cabeças arquiducais dos pobres Francisco Fernando e Sofia marcaram, hoje, o fim de ontem. Tiros dados, chapéus depenados, ficou-se em pousio um mês exato, as chancelarias são tudo menos precipitadas, e a 28 de julho começámos a saber o que o hoje nos reserva. Declaradas as guerras várias, pôde passar-se aos factos e que não são as permutações contadas pelos livros, império austro-húngaro contra a Sérvia, entra a Rússia e Berlim, Paris, Londres e América e até o corpo expedicionário português. Não, o essencial explica-se num desenho de criança. Encosto-me a uma parede de prédio e imagino-me a cavar um buraco de altura de homem e largura que um braço alcança. Do outro lado da rua, outro que faça o mesmo. Os personagens já estão definidos: eu e o outro. Prolonguem-se os buracos em serpentinas paralelas, chamem-lhes trincheiras, longas de 4 anos e 700 km, do mar do Norte à Suíça. Encham as trincheiras de nós e de outros, ouvindo-se e matando-se mas paralelos, quase nunca se tocando. Nós e os outros sempre houve, mas a Grande Guerra confirmou que tinha entrado no ADN humano. Já podíamos saltar das trincheiras. E cá estamos.
«DN» de 28 Jun 14

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