Herdar Pode Fazer Mal à Saúde
Por Maria Filomena Mónica
EM 1988, em vésperas de morrer de
um cancro na laringe, o meu pai aproveitou um dos raros momentos em que esteve comigo
sozinho para me dizer, na voz rouca que agora era a sua, que o maior desgosto
da sua vida era não me poder deixar nada. Sendo o primogénito, fora obrigado a
tomar conta do negócio do meu avô – exportação de madeiras – para o qual não
tinha nem jeito nem apetite. Nos finais da década de 1950, sem que ninguém tivesse
dado por isso, a empresa estava arruinada. Tentou escondê-lo, primeiro, de si
próprio, depois, da minha mãe – uma coisa impossível – e finalmente dos seus quatro
filhos. A conversa comigo repetir-se-ia noutras ocasiões, tendo-lhe dito, com
uma ternura de que me julgava incapaz que, em vez de isso me ser prejudicial,
era uma bênção.
Sempre pensei que a herança faz mal
às pessoas, crença que se foi solidificando com os anos. Claro que o dinheiro é
importante, sobretudo por ser uma base de independência, mas tem de ser ganho,
não caído do céu. Como vimos no recente caso de um conjunto de banqueiros aparentados,
a riqueza contribui para nos apodrecer, para suscitar rivalidades entre irmãos e
para destruir famílias. Um dos responsáveis é o Estado, que não admite a
liberdade de testar. Não é a primeira vez, nem provavelmente a última, que me
perguntam se não sinto um instinto maternal no que diz respeito ao património.
Não, porque o meu pecúlio (reunido com o objectivo de pagar as enfermeiras que
me irão tratar) é reduzido e por julgar que isso faria mal aos meus
descendentes.
E se fosse muito rica,
perguntam-me? Admito que deixaria um fundo aos meus netos para que pudessem
ingressar numa boa Universidade estrangeira. E se restasse dinheiro nos cofres?
Nesse caso, deixá-lo-ia a uma causa que merecesse o meu apoio. Não se trataria
de fazer a proverbial caridadezinha, mas de contribuir para que o meu país desse
oportunidade a quem a merece. Sei que frequentemente, por detrás da retórica
meritocrática, se esconde a vaidade ou a embirração com os filhos. Não é o meu
caso.
No mundo anglo-saxónico, a tradição
de devolver à sociedade o que ela nos deu mantém-se. No século XIX, os casos
mais paradigmáticos foram o de Andrew Carnegie (1835/1919) o qual, após ter
constatado que, em geral, os herdeiros delapidavam o dinheiro de forma estúpida,
optou por criar museus, fundações e bibliotecas, e o de John D. Rockfeller
(1839/1937), o autor das frases inscritas na placa comemorativa do seu Centro em Nova Iorque. A tradição
mantém-se, quer nos EUA, quer em Inglaterra. No último mês de Março, John Records,
CEO e fundador da empresa ao.com, que
vale 500 milhões de libras, declarou publicamente: «Os meus filhos não herdarão
um tostão». Há outros casos de gente famosa – desde o casal Gates, donos da Microsoft, a Anita Roddick, fundadora da
cadeia Body Shop, – que tencionam
fazer o mesmo. O dinheiro herdado gera adolescentes retardados: não é isso o
que desejo para os meus netos.
«Expresso»
Etiquetas: FM
1 Comments:
"Queres fazer bom negócio? compra a quem herdou e não a quem o ganhou".
José Dias
Enviar um comentário
<< Home