Viva as bundas ditosas!
Por Ferreira Fernandes
Morreu ontem, no Leblon, Rio de Janeiro, o escritor João Ubaldo Ribeiro, nascido na ilha da Itaparica, Bahia. O percurso geográfico acerta com o plano de vida. Um dos seus livros, A Casa dos Budas Ditosos, fala do pecado da luxúria, o que levou um nosso merceeiro a proibir o livro, apesar de expor em prateleiras produtos concupiscentes, como sabonetes e certos legumes. Ontem, um parceiro de juntar maravilhosamente palavras, Luis Fernando Verissimo, classificou Ubaldo de "o mais delicioso escritor brasileiro." Um poço de pecados, depois da luxúria, a gula que causava. E causava. Num romance com um título que só um amante ingénuo (e ele não era ingénuo, amantíssimo chegava) podia inventar, "Viva o Povo Brasileiro!", ele pôs em epígrafe, tabuleta a prevenir o que encontraria lá dentro: "Não existem factos, existem histórias." Nos anos 80, viveu em Lisboa, de onde mandava crónicas para o Brasil. Para verem como isso era no outro milénio, ele ia entregar as folhas, destinadas ao Rio, a tripulantes da companhia aérea Varig. Numa crónica, ele conta como encontrava colegas de letras brasileiras numa esquina, num quiosque, na rua da Betesga, em lugares lisboetas e ninguém lhe acenava. Numa estação de metro até viu passar um ator de telenovela, então famoso, José Lewgoy, conduzindo o comboio. Também não o cumprimentou. Os factos não existiram. Existia talvez uma história de saudade.
«DN» de 19 Jul 14Etiquetas: autor convidado, F.F
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