Deveres de Consciência
Por Pedro Barroso
...se um simples cidadão vulgaris lineus fizer um
degrau, uma janela, uma serventia; se dever uma prestação à Segurança
Social, uma mensalidade ao Banco, uma letra do carro; se pisar um risco
numa ultrapassagem, atravessar fora da passadeira, cuspir no chão,
insultar o governo, o fiscal de finanças; se não tiver as licenças em
dia, o boletim preenchido, provisão na conta.
Se. Não acabaria mais.
O cidadão é multado, extorquido, esquartejado, perseguido, preso, condenado, chateado, incomodado.
Percebi.
Para
a próxima, retiro 5000 milhões - o que quer que isso seja, meu deus...- e
terei direito uma prestigiosa e colunável Comissão de Inquérito,
dúvidas do Banco de Portugal sobre quando intervir e o que fazer, muitos
milhões cautelosamente guardados na Suiça ( talvez em Bensafrim,
Odelouca, Portelosa do Semicúpio... ). A coisa vai demorar.
Falo
ao Oliveira e Costa, que ele sabe do assunto e anda por aí. Mas
atenção. Ponho um ar distante e pesaroso. Declaro que fui derrotado pela
crise em luta heróica pelo Bem comum. Pela economia nacional. Talvez me
ergam uma estátua um dia. Faça-se justiça, claro. Investigue-se - darei
toda a minha colaboração. Por minha honra.
Puxarei de uma cadeira e esperarei sentado. Fumo um charuto caro, bebo um scotch de
trinta anos, um porto de cinquenta. Dou uns passeios em jacto privado.
Apetece-me ir jantar a Paris, fazer compras, ver os amigos.
Vou
preparando a defesa, ocultando papeladas, apagando factos. Sorrio para
mim mesmo, senhorial, devagar. Uso Armani e fragrâncias parfum made para mim. Tudo baratíssimo. Muito acessível. Visto camisas por medida. Seda natural que sou alérgico a porcarias.
Vou à ópera amanhã, sou uma pessoa de bom gosto - aprecio Verdi.
Talvez encontre um cidadão menor pelo caminho, mendigando.
Ver se não me esqueço de lhe dar uma moeda.
Etiquetas: PB
1 Comments:
Sim, sim, Portugal é (muito) isto.
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