OS OBREIROS DA GEOLOGIA PORTUGUESA (4)
Por A.M. Galopim de Carvalho
Joaquim Filipe Nery da Encarnação Delgado (1835-1908)
Joaquim Filipe Nery da Encarnação Delgado (1835-1908)
Sucedendo
a Carlos Ribeiro na chefia da Comissão Geológica do Reino, este notável pioneiro da geologia em Portugal
procedeu aí, durante o seu mandato, entre 1882 e 1908, a consideráveis avanços
em prole deste domínio do saber científico e tecnológico, entre os quais ganham
relevo o ter privilegiado o trabalho de campo, na
prática geológica (contrariando assim uma
tradição, vinda do século XVIII, marcada de propósitos coleccionistas, iniciada
com os gabinetes de história natural) e a criação, em 1833, das Comunicações da Secção dos Trabalhos
Geológicos, o primeiro periódico científico português especializado no
citado domínio.
Foi interveniente activo
nas transformações mais significativas do conhecimento geológico ocorridas no
século XIX em moldes que transcendem o espaço nacional, num conjunto de
realizações que lhe valeram o reconhecimento como membro de diversas sociedades
científicas estrangeiras. A sua produção científica foi vasta e percorre os
domínios da paleontologia e estratigrafia do Paleozóico, da cartografia
geológica, da arqueologia e paleoantropologia e, ainda, os da geologia
aplicada, nomeadamente nas áreas da hidrogeologia, da exploração mineira e da
geologia de engenharia.
Juntamente com Carlos
Ribeiro, iniciou a preparação da carta geológica geral de Portugal, na escala
de 1:500 000, da qual foi feita uma primeira versão aguarelada, apresentada na
Exposição de Paris, em 1867, ganhando uma medalha de prata. E publicada depois,
em 1876.
Em colaboração com Paul
Choffat, o colega suíço entretanto chegado a Portugal, participou na elaboração
da Carta Geológica da Europa, na escala de 1:1 500 000, publicada em Berlim, em
1896, e na preparação de uma segunda edição da Carta Geológica Geral de
Portugal. Galardoada com a medalha de ouro na Exposição Universal de Paris de
1900, esta carta (editada no ano anterior) manteve-se em uso até 1972, ano em
que foi dada a público, pelos Serviços Geológicos da Portugal, uma terceira
edição actualizada.
O seu trabalho, intenso e continuado, contribuiu, de forma decisiva,
para consolidar os fundamentos da anteriormente referida Comissão Geológica, o
actual Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), instituição nacional
com mais de século e meio de trabalho respeitado dentro e fora das fronteiras.
Nery Delgado legou-nos um
espólio científico e documental constituído por publicações, cadernos de campo,
manuscritos, correspondência, mapas, gravuras e fotografias cuja importância
ultrapassa as fronteiras do país e que pode ser consultado nos arquivos do
citado LNEG. O reconhecimento do seu valiosíssimo
trabalho está patente nas múltiplas condecorações, louvores e outras
distinções, nacionais e estrangeiras, que recebeu.
*
Jacinto Pedro Gomes (1844-1916)
Particularmente interessado pelas ciências naturais, este engenheiro de
minas português, formado na Academia de Minas de Freiberga, em 1865, consagrava
os seus tempos livres à mineralogia e petrografia, à geologia e, ainda, à
botânica, e à conchiologia.
Em 1883 começou a trabalhar como naturalista do Museu e Laboratório
Mineralógico e Geológico sediado na Escola Politécnica, em Lisboa, organizando
e actualizando as colecções de minerais, rochas e fósseis. Colecções que se
mantiveram expostas até 1978, ano do incêndio que, em grande parte, as
destruiu.
Como engenheiro de minas e antes da sua entrada no referido Museu,
estudou algumas minas de Portugal e Espanha e, em acumulação com o seu cargo de
naturalista, foi o consultor da mina de carvão do Cabo Mondego. O estudo que
então realizou sobre as pegadas de dinossáurios terópodes do Jurássico deste
local foi pioneiro à escala internacional.
*
Léon Paul Choffat (1849-1919)
Cidadão suíço radicado
em Portugal a partir do ano de 1878, com geólogo da Secção dos Trabalhos
Geológicos de Portugal. Convidado por Carlos Ribeiro, durante o Congresso
Internacional de Geologia de Paris, em 1878, veio para Portugal a fim de, em
especial, estudar a estratigrafia e a paleontologia dos terrenos jurássicos.
Como professor de paleontologia animal na Escola Politécnica Federal de Zurique
empreendera excursões geológicas no Jura francês, experiência que o habilitou
com o capital científico posto em prática nos estudos que aqui levou a cabo.
.Durante quatro décadas, Choffat ofereceu à geologia portuguesa, então a
dar os primeiros passos, o melhor do seu esforço e saber, que foi muito. Como
homem de ciência e como cidadão tornou-se um dos vultos mais assinalados no
Portugal de finais do século XIX e inícios do século XX.
A sua actividade científica está expressa em múltiplas memórias e
comunicações publicadas pela respectiva instituição e em jornais e revistas da
especialidade, nacionais e estrangeiros.
No conjunto dos seus trabalhos, Choffat estabeleceu a seriação
estratigráfica dos terrenos mesozóicos do território português, descreveu a
litologia e a fauna fóssil das diferentes assentadas e identificou as
respectivas fácies. Propôs a criação do andar Lusitaniano para o conjunto
estratigráfico Oxfordiano superior-Kimeridjiano, temporariamente aceite pelos
seus pares. Definiu o andar que designou por Belasiano (termo entretanto caído
em desuso), representado na região de Belas, nos arredores de Lisboa e que
correspondente a parte do Cenomaniano. Deve-se-lhe ainda a separação entre o
Trias e o Infralias, o levantamento da Carta Tectónica de Portugal e um
interessante estudo sobre as estruturas geológicas a que chamou vales
tifónicos.
No sector da geologia aplicada, são dignos de referência o seu “Étude Geologique du Tunnel du Rocio” (1989) e vários trabalhos de hidrogeologia visando abastecimento de
água a Lisboa, Guarda, Guimarães e outras localidades do país, e estudos sobre
as águas minerais dos terrenos mesozóicos, registados como alguns dos melhores
trabalhos neste domínio.
A cartografia geológica mereceu-lhe particular atenção. Assim, de
colaboração com Nery Delgado, procedeu à actualização da
Carta Geológica de Portugal, na escala de 1/500 000, publicada em 1899, em
substituição da que fora publicada por Carlos Ribeiro e Nery Delgado, em 1876. Deve-se-lhe, ainda, a
realização dos trabalhos de campo que levaram à produção de várias cartas
geológicas regionais, em escalas de maior pormenor, como as das regiões de
Lisboa, Cascais Sintra, Loures, Leiria, Arrábida, Buarcos-Verride e Montejunto.
Doutor honoris causa, em 1892, pela Universidade de
Zurique, Paul Choffat foi eleito membro de múltiplas academias e sociedades
científicas de Portugal e da Europa.
Etiquetas: GC
3 Comments:
Em prole?
Lapsos destes não escapam aos mais pintados.
Quem (de há muito) conhece e aprecia a distinta prosa do Professor Galopim de Carvalho não tem dúvida de que se trata de um simples e inoportuno lapso.
Ou não pertencesse ele a uma prole de gente estudiosa e culturalmente multifacetada.
Mas, lá está: em manancial abundante de informação escorreita torna-se notada a mais inofensiva "mancha". O que, visto por certo prisma, chega a ser bom sinal. Ou seja: a certas pessoas exigi-se (apenas!) a perfeição.
Assim a exigisse cada um de nós a si próprio. Ou talvez não. Ou nem tanto...
Enviar um comentário
<< Home