Anos exigentes, respostas incertas…
Por António Barreto
Ainda não se sabe muito bem se
este ano de 2016, que agora começa, é o primeiro de uma era, ou se, pelo
contrário, é o último de um ciclo. Ou se, finalmente, nem uma coisa nem outra, tão
só e apenas um ano depois de um ano e um ano antes de outro.
Pelas exigências que se alinham
diante de nós, tenho a certeza de que se trata da primeira hipótese: é possível
e necessário iniciar, nos próximos anos, uma nova vida. E uma vida nova. É de
tal maneira necessário, que seria bom começar já.
Que exigências são essas? Como é
sabido, entre os nossos grandes males, contam-se: a perda de independência; a submissão
aos ditames dos credores; o maior endividamento da nossa história; a falta de
capital; a emigração elevada; a persistente incapacidade de criar emprego; a muito
pronunciada desigualdade social e económica; o enorme défice cultural e
educativo; a crispação política em clima de partidocracia; um Estado social
insustentável com a economia que temos; e uma Justiça penhorada e capturada por
interesses, corpos e profissões.
Se estas são as exigências, quais
seriam as respostas possíveis? Quais seriam os sinais que nos permitiriam ter
alguma esperança em 2016 e anos seguintes? Quais são os indicadores que nos
ajudariam a dar resposta à pergunta inicial: fim de um ciclo ou início de uma nova
era?
De aqui para a frente, vamos
estar atentos ao menor sinal de progresso ou de agravamento. Olhemos para os
números e os factos, vejamos as estatísticas e as primeiras páginas dos jornais,
sintamos o pulsar da vida nas empresas e nas escolas e observemos o orçamento e
as reacções da União europeia. Um som na floresta, um rumor na cidade, um
movimento na madrugada e uma nuvem no crepúsculo: todos os sinais serão bons
para medir os progressos, a estabilidade e os recuos. Vamos tentar olhar para
os fumos e os ventos, sem prestar atenção às vozes dos políticos, cada vez mais
estereotipadas, nem aos berros dos deputados, cada vez mais autómatos do
lugar-comum. Vale a pena começar a inventariar pontos de referência que nos
permitam verificar e avaliar empiricamente a evolução futura.
Serão os Portugueses capazes de
aceitar, criar e proteger, sem excesso de dívida nem de consumo, um clima de
tranquilidade e de produtividade que nos permita evitar o segundo resgate?
Chegaremos ao fim deste próximo ano, com um novo orçamento realista, à altura
de uma estabilidade criativa que nos permita não voltar ao FMI, à UE e ao BCE?
Saberão os Portugueses encontrar
finalmente um caminho decente e nobre para a elaboração de uma nova
Constituição, ou de uma Constituição revista, que não seja mais este absurdo e envelhecido
pergaminho, próprio de um povo menor e de uma elite medíocre? Poderão os
Portugueses imaginar um povo de adultos capazes de repensar livremente a
Constituição e de livremente reformar o regime, sem que logo sejam enlameados
pela demagogia dos que dizem que qualquer mudança na Constituição é
necessariamente um atentado contra a democracia?
Depois desta experiência inédita
de apoio parlamentar a um governo “que não é de esquerda”, começarão os
comunistas a acreditar na liberdade dos outros, na liberdade de todos, em vez
de pensarem exclusivamente na deles? Serão jamais capazes de acreditar na democracia
e não a considerar como um passo necessário para a sua ditadura? Serão os
comunistas capazes de encarar com alegria a liberdade de toda a gente?
O bloco de esquerda, formação
política esquisita, mas de cariz europeu, que saiu dos interstícios das
esquerdas libertárias e autoritárias, saberá resistir, sobreviver e deixar de
se ocupar de travessuras de esquerda chique? Serão os bloquistas capazes de se
manterem fiéis a ideais e, ao mesmo tempo, flexíveis nas soluções?
Conseguirão os socialistas, em
risco de extinção, recuperar ou recriar alma, ideia, programa, honra, corpo e
eleitorado?
A direita portuguesa conseguirá
um caminho próprio entre o velho nacionalismo autoritário e um estranho
liberalismo de fantasia descoberto debaixo de uma pilha de revistas de moda?
Saberão os social-democratas
reorientar a sua política e o seu programa, restaurando ou actualizando crenças
social-democratas?
Será possível encetar finalmente uma
profunda reforma da Justiça, fazendo com que esta seja garantia de liberdade e
pilar da democracia, começando a liquidar o poder dos corpos feudais e
profissionais? Perceberão finalmente os políticos que a capitulação do
legislador e do executivo perante este sistema judicial significa à renúncia à
primeira garantia de liberdade, a Justiça?
Poder-se-á
começar a viver um tempo em que não haja mais casos de enorme falhanço das
autoridades do Estado, de medonha ausência de governo e de pavorosa falta de
perícia da União europeia, tal como atestam os casos do BPN, do BPP, do BES, do
BANIF e, indirectamente, da CGD e do BCP? Destruída que está, por ganância,
aldrabice e incompetência, uma parte importante do sistema bancário português,
será possível recriar estruturas financeiras e bancárias capazes de levar o
país para uma nova etapa de investimento?
Dado que já não é possível voltar
atrás e tendo em conta que não sobram mais empresas nem grupos de grande
dimensão e potencialidade, teremos ao menos a hipótese de saber o que aconteceu
com a PT e a CIMPOR, duas jóias destruídas deliberada e minuciosamente? Haverá
um Parlamento ou um Tribunal de Contas capazes de elucidar? Haverá um jornal
livre com força para prestar esse serviço público?
Teremos finalmente aprovado um
pacote de legislação ousada sobre os incentivos ao investimento privado e de
captação intensiva de investimento externo? Conseguirá o governo não assustar
os eventuais investidores, não afugentar os possíveis industriais e não
massacrar prováveis clientes com ataques fiscais e perturbações judiciárias?
Perceberão os Portugueses que, após tantos desaires, não haverá crescimento
económico sem investimento, nem investimento sem iniciativa privada, nem
iniciativa privada sem confiança?
Poderá o governo ter mão segura e
perceber que, na corrupção, na promiscuidade e na impunidade residem as
primeiras razões para a perda de liberdade?
Conseguirão o governo e as elites
desenvolver acções e políticas capazes de, sem demagogia e sem novo
endividamento, prestar atenção à desigualdade excessiva?
Se houver respostas afirmativas a
pelo menos uma parte destas perguntas, tal quererá dizer que estamos no bom
caminho, que uma nova era poderá iniciar-se, que a incerteza e a ansiedade
poderão começar a diminuir. Se assim for, Portugueses, sereis homens e mulheres
livres! Se…
Diário de Notícias, 29 de Dezembro de 2015
Diário de Notícias, 29 de Dezembro de 2015
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