Livro de reclamações - O orçamento Photoshop
Por António Barreto
Toda a gente sabe o que é o
Photoshop: um formidável programa de trabalho com imagens. Com o Photoshop pode
fazer-se tudo, passar da cor ao preto e branco, colocar pessoas onde nunca estiveram,
incluir objectos em ambientes inesperados, dar vida aos mortos, inventar
sítios, levar pessoas a fazer de conta… Pode fazer-se o que se quer. O mar ou a
montanha de fundo, uma rua de Nova Iorque ou o planalto da Capadócia, um barco
ou um carro, uma mulher sedutora ou um homem atraente, tudo ao alcance de um
pouco de manipulação. Até se pode transformar um chinês num branco ou um sueco
num preto. Podem-se aumentar os braços e as pernas, diminuir o nariz e as
orelhas, arredondar as nádegas e desfazer rugas…
É com um Photoshop que está a ser
feito o orçamento de Estado para 2016. Põe um bocadinho de défice a mais, a ver
se pega. Tira umas poeiras de dívida, talvez se arranje. Reduz a sobretaxa,
aumenta o desconto, diminui o IVA, anda lá com um escalão de IRS. Vamos ver o
que dá. Mau, diz o Bloco. Péssimo, grunhe o PCP. Não chega, rosna a UE.
Volta-se atrás. Põe lá uns pozinhos no PIB, dá um cheirinho na inflação,
empurra um ponto na exportação, talvez sirva. A UE diz que não. O Bloco garante
que está a passar as marcas. O PCP declara que isto não estava no acordo. A
impoluta Unidade Técnica de Apoio Orçamental alerta: este orçamento não pode
ser cumprido. O Conselho das Finanças Públicas torce o nariz e afirma que o
orçamento não tem em consideração os riscos relevantes da actual situação. A
empresa de rating DBRS, a única que permite que Portugal vá buscar dinheiro ao
BCE, adverte que talvez Portugal desça de escalão. Vamos lá outra vez. Mexe um
pouco no PIB, tira o IVA, deixa o IRS, desce a taxa, sobe a sobretaxa, põe
tabaco, tira combustíveis, aperta a pensão, esfrega o salário mínimo, dá cá um
pouco de inflação, toma lá TSU… Bela maneira de fazer um orçamento.
DN, 31 de Janeiro de 2016
Etiquetas: AMB
2 Comments:
No estado em que está o país deve ser extremamente difícil fazer um orçamento.
Com os políticos que temos, mais difícil ainda.
Talvez fosse importante, pensarmos renegociar a dívida...e, mais importante ainda a Europa rever os tratados.
O autor tem razão e alguma graça. Não sei se pretende transmitir a ideia de que normalmente não é assim, se é isso, não está a ser rigoroso porque os Orçamento do Estado em Portugal sempre foram feitos, pelo menos desde que eu tenho conhecimento, como mero "texto" da rábula na AR. Lembro-mo de um orçamento do tempo do rigorosíssimo Catroga em que o orçamento de funcionamento da Seg. Social se esgotou em Julho!!
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