Sem emenda - A disciplina contra a liberdade!
Por António Barreto
Dentro de dias, no Parlamento, teremos uma das mais importantes votações do ano: a do orçamento. Nesse dia, os cabos partidários vão estar atentos: é necessário, na maioria e na oposição, garantir a disciplina e evitar ovelhas ranhosas e trânsfugas. Pela sua composição, este Parlamento é uma mina de nervos: a contagem de votos pode ser sempre uma surpresa.
Dentro de dias, no Parlamento, teremos uma das mais importantes votações do ano: a do orçamento. Nesse dia, os cabos partidários vão estar atentos: é necessário, na maioria e na oposição, garantir a disciplina e evitar ovelhas ranhosas e trânsfugas. Pela sua composição, este Parlamento é uma mina de nervos: a contagem de votos pode ser sempre uma surpresa.
A disciplina partidária é um dos sinais de falta de maturidade política e de menor amor pela liberdade. Veja-se como funcionam alguns parlamentos de outros países, onde os deputados são livres e votam como entendem. Entre nós, os partidos não hesitam em consagrar expressamente a obediência. Mas não gostam que se saiba. Aliás, a minha tentativa de estudar os regulamentos em vigor foi inútil. Os partidos não os publicam, o que é sinal do que por aí vai, entre o despotismo e a má consciência!
E não se pense que o useiro da disciplina é só o suspeito habitual, o PCP. Este, com o centralismo democrático, criou um sistema onde nem sequer é necessário fingir. Os outros, CDS, PSD e PS, gostam de se declarar amantes da liberdade. Eis por que declaram formalmente a regra, mas acrescentam logo as excepções. E estas são de peso. Com pequenas variantes, estes partidos declaram que os deputados votam livremente, mas que têm de respeitar as instruções da direcção do Partido relativamente a alguns assuntos, como sejam os orçamentos, os programas de governo, as matérias referidas nos programas eleitorais, as moções de censura e de confiança, as questões de governabilidade e as orientações dos órgãos nacionais do partido. O PS diz que a regra é a liberdade, mas as excepções são praticamente tudo o que se faz naquela assembleia. O PSD diz que a regra é a disciplina e que os deputados que quiserem usar de liberdade de voto têm de pedir autorização à direcção!
Os deputados que pretendam intervir no hemiciclo têm de pedir autorização. A Assembleia da República só reconhece a cada um o direito a uma intervenção livre de dez minutos por ano! As restantes terão de ser decididas pela direcção. Em todos os grupos os deputados são obrigados a assumir um compromisso de conformidade com as decisões da direcção.
Como é sabido, já vários grupos parlamentares recorreram a processos e castigos. Uma só vez, o Tribunal Constitucional anulou as decisões de um partido (neste caso, do PSD) relativamente à disciplina dos seus deputados. O texto da Constituição é inequívoco. O artigo 155º diz que “Os deputados exercem o seu mandato livremente, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções…”. O que está em vigor nos partidos choca com este princípio!
Os grupos parlamentares contrariam expressamente a Constituição e regem-se por normas claramente anti-constitucionais. Com uma nobre excepção, acima referida, ninguém, deputados, magistrados ou presidentes ousou solicitar ao Tribunal Constitucional o exame dessas normas que, apesar de internas, dizem respeito aos direitos fundamentais dos membros de órgãos de soberania. De interesse público, portanto. Como é diferente a liberdade em Portugal!
DN, 7 de Fevereiro de 2016
Etiquetas: AMB
1 Comments:
Uma carneirada.
Compreendendo embora que houvesse regras mínimas de disciplina de voto (afinal os portugueses são mestres em abandalhar qualquer sistema funcional), o que se passa é a confirmação de que os nossos deputados não servem para nada: a ser assim, bastava que estivesse um de cada partido que votasse pelos outros todos (desse partido). Ou seja, factualmente, o nosso parlamento não é constituído por seres pensantes autónomos, o que é o mesmo que dizer que não é uma assembleia democrática, porquanto representa tão só as direcções partidárias e não os cidadãos.
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