Sem emenda - Aniversários
Por António Barreto
É uma indústria! Há aniversários
todos os anos. Antigamente, festejavam-se números redondos: dez ou cinquenta,
por exemplo. Os centenários eram os mais desejados. Depois, vieram os 15 e os
25 anos. Agora, faz-se tudo. Este ano, estamos servidos. Para além dos
clássicos, como sejam os centenários da morte de Cervantes, Shakespeare ou
Leibniz, temos, mais perto de nós, os 90 anos da Rainha de Inglaterra e do 28
de Maio, os 71 de Hiroshima, da derrota dos alemães e da paz na Europa, assim
como os 42 do 25 de Abril e os 40 da Constituição.
A actividade comemorativa está
cada vez mais globalizada. Pela lista que precede, damo-nos conta de que a
memória vai buscar o que pode, a fim de garantir a nossa identidade, mas também
o êxito comercial dos profissionais da efeméride. É natural pensar-se que há
comemorações artificiais, dado que há procura para quem se especializa nestas
coisas. Mas, de qualquer maneira, são boas oportunidades para reflectir.
Simplificando sempre, dado que é esse o objectivo do exercício!
Hiroshima… Certo? Errado? Foi um
exagero? Ainda hoje o tema é polémico. E sempre será. Talvez até hoje mais controverso
do que então. As emoções da guerra, na altura, poderiam desculpar muita coisa
que hoje não seria aceitável. Será que a guerra estava ganha, que as bombas
atómicas foram inúteis e os 200.000 civis mortos a mais? Ou será que assim se
pouparam milhares de mortos americanos (e ainda mais japoneses) e dias ou
semanas ou meses de guerra? Obama e o G7 estiveram lá a comemorar. Mas não
resolveram a polémica.
Há 71 anos, a Alemanha e o Japão
foram derrotados. São hoje duas das nações mais poderosas do mundo. Há, na
Europa e na Ásia, quem os receie. Com ou sem razão, mas certamente com
antecedentes. Mas a verdade é que os dois países demonstram que foi possível
crescer em paz, sem imperialismo nem agressões. Foi possível porque estudaram,
pensaram, trabalharam, pouparam e organizaram. Mas também porque houve
vigilância internacional.
Na Grã-bretanha, 71 anos depois
de terem vencido a guerra e 43 depois de terem aderido à União Europeia, o
ingleses discutem com calor e algum azedume (como já não se via há muitos anos)
a sua permanência na União ou o seu regresso a casa, sozinhos. A sua saída
enfraquecerá ambos, o Reino Unido e a União.
Cá por casa, os aniversários são
outros. Os 90 anos do 28 de Maio, os 42 do 25 de Abril e os 40 da Constituição.
A duração da ditadura ainda é ligeiramente superior à da democracia. Daqui a
cinco anos, os democratas poderão gabar-se do seu regime que será finalmente o
mais duradouro. Com idades tão parecidas, às vezes apetece fazer comparações.
A ditadura fez a ordem, mas tirou
a liberdade. Criou disciplina, mas manteve a ignorância. Fortaleceu a economia,
mas conservou a pobreza. Estabilizou a moeda, mas distribuiu pouco. Evitou a
grande guerra, mas fez as guerras em África. Pior que tudo, impediu a
liberdade.
A democracia deu liberdade e paz.
E promoveu o Estado social e a Europa. Começou com crescimento económico, mas
chegou à estagnação. Iniciou vida na abundância, mas chegou à bancarrota.
Proclamou alto e bom som a independência, mas chegou ao protectorado.
Os aniversários já não são o que
eram. Agora, não lhes falta melancolia, nem esta mistura de felicidade passada
com esperança envergonhada que dá por nome de saudade. A imprensa, a televisão,
a Internet e as redes ditas sociais acreditam e necessitam das efemérides. Sem
estas, ficariam frequentemente vazias de conteúdo, teriam ainda menos emoções
do que fingem ter. Os aniversários garantem a indústria da memória e fornecem
matéria-prima inesgotável. Já para o próximo ano, teremos dois centenários de
respeito: o de Fátima e o da Revolução Bolchevista. Vai ser um grande ano!
DN, 29 de Maio de 2016
Etiquetas: AMB
1 Comments:
Comemora-se tudo,em números redondos ou não. Já para não falar dos dias de tudo e mais alguma coisa.
E de comemoração em comemoração, numa enorme agitação, lá se vai perdendo a capacidade de reflexão...
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