Sem emenda - Elegia para a Europa
Por António Barreto
Sabíamos há muito que ia ser
assim. Com as Torres Gémeas, ficou evidente. Sabíamos, mas não acreditávamos. A
confirmação veio depois. Em Madrid. Em Londres. Voltámos a saber, mas ainda
pensávamos que talvez não fosse bem assim. Agora, já não é necessário comprovar.
Em Bruxelas. Em Paris. Em Berlim. Em Munique. Não se pode ignorar. Em Nice. Em
Montpellier. Em Rouen. Por quase todo o continente. O estado de emergência
vigora em França. A Europa já não é o que era, nem será, dentro de poucos anos,
o que é hoje. Acaba uma era na sua e na nossa história. A Europa da paz e do
acolhimento de estrangeiros. A Europa de braços abertos a todos os refugiados
do mundo, de direita ou da esquerda, religiosos ou pagãos, homens ou mulheres.
A Europa que se queria distinguir pela generosidade, pela cultura e pela
diversidade. A Europa onde era possível a uma mulher sair sozinha à noite ou um
bando de jovens passear sem ser incomodado. A Europa onde se procuravam museus
em sossego, concertos em alegria, festivais em despreocupação e peregrinações
em paz. Uma Europa que deixava as suas filhas percorrer os caminhos-de-ferro em
tranquilidade. Uma Europa onde um casal de idosos podia sair à rua sem cuidados
especiais. Uma Europa onde quem queria se deslocava, viajava e passeava sem ser
revistado, vigiado, registado, filmado, escutado e seguido.
Uma Europa que, apesar de duas
guerras e mau grado o Holocausto e o Gulag, sonhava com liberdade e cultura
para todos. Uma Europa que, décadas atrás de décadas, não desistia de procurar
a liberdade e construir a democracia. Uma Europa em que o Estado de Direito,
não obstante erros e desastres, se afirmava. Uma Europa onde cada vez mais as
leis eram ditadas pela razão e pelo povo soberano e cada vez menos pela
fortuna, pela força ou por deus. Uma Europa onde finalmente se respeitavam
todas as religiões e nenhuma exercia o império da intolerância.
Esta Europa, sonho, projecto,
história ou esperança, desaparece. Financiado por poderosos, protegido por Estados
maléficos e apoiado por organizações legais, o terrorismo islâmico está a
destruir a Europa que conhecemos. Pior do que a destruição, está a fomentar o
medo como modo de vida. Está a estimular todos os reflexos de defesa, de
segurança, de abuso da lei e de reacção agressiva que desfiguram a Europa. O fanatismo
islamita está a ressuscitar deliberadamente o racismo e a xenofobia que os
europeus se esforçam há tantos anos por liquidar.
Os Estados europeus, alguns
Estados, começam a reagir com leis, processos e sistemas de defesa colectiva,
de preservação do espaço público, de combate ao terrorismo e de vigilância dos estrangeiros
que já não se limitam a simples segurança, mas são cada vez mais de prevenção truculenta.
As medidas anunciadas pelo governo francês, sobre a nacionalidade de muitos
imigrantes islâmicos e seus descendentes e sobre o financiamento das mesquitas,
constituem exemplos do que é indispensável fazer, mas que, ao mesmo tempo, nos
confrange. Ainda por cima, são medidas insuficientes. Depois de um período
longo em que a democracia europeia não soube ou não quis defender-se, nem prevenir
com energia e sem contemplação, a Europa prepara-se para uma inevitável
campanha punitiva em larga escala, com a qual o espírito europeu se perderá. As
autoridades democráticas europeias tiveram até agora receio da sua própria
força e da sua razão. Deixaram-se aprisionar pelas esquerdas covardes que não
se importaram de alimentar as direitas xenófobas. Esta Europa está hoje quase
incapaz de reagir ou conter o terrorismo. Se a Europa reage em força, como
deveria ser, muda a sua história e o seu destino e nós perdemos. Se a Europa
não reage, acaba com a sua história, muda de destino e nós perdemos.
Estamos condenados a um estranho futuro:
uma Europa onde, para evitar o Inferno, vamos ter de viver com o Diabo!
.
DN, 7 de Agosto de
2016
Etiquetas: AMB
2 Comments:
Sim, é verdade.
E, no entanto, em cidades como Amsterdão ou Roterdão, esse ambiente de medo e de terror ainda não é visível, eu diria que não se sente. Mas onde a atitude das pessoas parece ser de desfrute pleno da vida, sem quaisquer receios dos estrangeiros, é uma cidadezinha amorosa, onde eu gostaria de viver - falo de Leiden, outra cidade da Holanda.
A Europa está a destruir-se a si própria...Adormeceu na democracia e no bem estar conquistado pelos velhos e verdadeiros democratas. Deixou-se embalar pelo marketing orquestrado nas campanhas eleitorais, que transformavam seres medianos, e, sem cultura política em verdadeiros líderes. Deixou-se seduzir por políticas económicas que geraram cada vez mais desigualdade e desemprego. Entrou em apatia profunda perante políticos que se serviam do poder em vez de usarem o mesmo poder em benefício das comunidades que os elegeram...E, agora?O que nos espera?
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