Sem emenda - O tempo…
Por António Barreto
O tempo, esse grande escultor… É
um belo livro de ensaios de Marguerite Yourcenar. A autora alude ao tempo que
constrói e modifica, que transforma os objectos e as obras de arte e que lhes
dá nova vida depois de criados. Muito do seu pensamento é também metáfora. O
tempo também constrói carácter e sentimentos. Também pode trazer sabedoria.
Mas não é esta a única maneira de
olhar para o tempo e os seus efeitos. Outra ideia é a que faz da passagem do
tempo a fonte da amnésia, que tudo faz esquecer e tudo torna relativo, sem
importância. Pode haver sageza nesta concepção. Mas oportunista. Pode tratar-se
de uma boa solução para evitar ansiedade e que nos ajuda a ver que há muitos
problemas que não existem, que são só aparência e que se esfumam com uma breve
e judiciosa espera. É um velho princípio: o que esquecemos não existe.
Há mais. Por exemplo, a convicção
ou a esperança em que a passagem do tempo tudo arranja e tudo repara. Não faz
esquecer, mas ajuda a consertar. O tempo esbate a precipitação, o tempo traz
serenidade e sabedoria. O tempo permite pensar e agir com segurança. O tempo
ajuda a sobreviver.
Mas não é sempre bem assim. O adiamento é
tantas vezes mortal! O que não se faz em seu tempo nunca se fará. Ou far-se-á
nas piores condições. Ou faz-se mal… Os últimos anos foram férteis em situações
de adiamento desaconselhado, mas inevitável. Os ajustamentos financeiros, por
exemplo. Cinco anos antes, tudo teria sido mais fácil, mais eficaz e menos
doloroso. Já hoje podíamos estar longe da austeridade dos últimos anos e da
aspereza dos próximos. O tempo foi a arma dos covardes.
A Constituição é mais um caso
exemplar. A sua revisão, à espera há anos, com tanta matéria que poderia ser
examinada serenamente, acabará finalmente por se fazer um dia, ninguém sabe
quando, sem a preparação suficiente, sem o tempo necessário ao estudo e ao
debate. E possivelmente em más condições. As anteriores, embora atrasadas e sob
intensa polémica, fizeram-se em tempo útil. A próxima, há muito uma
necessidade, até já foi tentada, sem resultado. Quando chegar a vez, será
seguramente tarde. Ou já teremos enveredado definitivamente por caminhos
constitucionais que impedirão novas políticas. O tempo é a resposta dos fracos.
Os famosos processos judiciais,
“les causes célèbres”, que alegadamente envolvem figuras conhecidas da política
e da economia e têm a corrupção como actividade criminal, arrastam-se sem
decoro, a ponto de se extinguirem, de os crimes prescreverem, de os ânimos arrefecerem
e de as influências se exercerem com o intuito de alterar o curso da Justiça.
Antigos governantes e deputados poderosos, antigos altos funcionários e antigos
banqueiros e empresários esperam e receiam que Justiça seja feita. E quanto
mais esperam, menos Justiça há. A Justiça precisa de tempo. Mas o tempo mata a
Justiça.
A Caixa Geral de Depósitos é
talvez o exemplo mais actual do modo como o tempo torna tudo mais difícil. Com
o tempo, quase todos ficaram a perder. Quase todos ficaram a merecer epítetos e
julgamentos severos, sempre adequados. Uns por imperícia. Outros por má fama e
reputação. Outros ainda por incompetência. E outros finalmente por calculismo e
interesse político. Quaisquer que tenham sido as promessas do governo, as
exigências dos gestores, as garantias dadas e não cumpridas, as imposições dos
partidos e as contradições entre diplomas legais, as conclusões parecem
simples: os gestores têm de cumprir a lei, justa ou injusta; o governo tem de
corrigir o que disse e fez; os gestores têm de cumprir ou ser substituídos. O
que é certo é que quase toda a gente saiu mal. A Administração da Caixa fica
ferida de reputação. O ministro e o secretário de Estado ficam feridos de
palavra. O Parlamento fica maculado por incompetência e oportunismo. A
sabedoria precisa de tempo. Mas o tempo destrói a sabedoria.
DN, 27 de Novembro de
2016
Etiquetas: AMB
1 Comments:
Há quem diga, que há um tempo para tudo.
O difícil é agir no tempo certo...
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