Sem emenda - Utilidade pública
Por António Barreto
Diz-se “public utilities”. Em português, não quer dizer a mesma coisa, mas diz tudo. Serviços e infra-estruturas de serviços e facilidades para toda a gente. Inicialmente organizados pelo Estado, ulteriormente geridos pelo mesmo ou por empresas privadas. Cada país tem a sua solução. Mas é sempre a mesma coisa: serviços públicos.
Muita coisa pode entrar nesta categoria: água, luz, electricidade, gás, telefone, correios, banda larga, transportes, esgotos, resíduos, faróis e outros. Há quem inclua certos serviços públicos especiais, como a saúde e a educação. Podem ser de gestão pública ou privada, local ou nacional, em monopólio ou em mercado aberto. Fazem parte da concepção moderna de país civilizado.
Estes serviços, em Portugal, começaram por ser públicos. Uns mantiveram-se como tal, outros foram privatizados. Nada muito diferente de outros países. A eficácia, a utilidade e a honestidade destes serviços variam muito. Em tempos, a imprensa realizava uma espécie de ranking em que classificava, segundo a opinião pública, cada serviço. Alguns, aborrecidos com uma má classificação, esforçavam-se por melhorar, o que às vezes conseguiam e nós ficávamos a ganhar.
Entretanto, com a privatização a ajudar, mais a crise financeira e a compra e venda de empresas, sem falar na concorrência e na voracidade de tanta gente, todas estas empresas se viraram para a agressividade comercial. São dezenas de e-mails e telefonemas não desejados que se recebem por mês em casa de cada um. Novos serviços, mais pacotes, descontos aparentes, novos dispositivos, vantagens incríveis e brindes inacreditáveis! No fim do dia, é sempre para vender mais mercadoria inútil, fidelizar aberta ou furtivamente, instalar aplicações, adquirir uma nova “box”, alargar o serviço para áreas inúteis e subtrair o cliente à empresa rival!
Uma moda recente é a dos serviços de distribuição separados da produção e da assistência, o que exige escolhas feitas pelos clientes, impostas por lei (dizem eles…), que logo anunciam descontos e vantagens, mas que não têm uns nem outras. Rapazes e raparigas com bilhetes de identidade vistosamente exibidos batem à porta, declaram que, “para nosso bem”, vêm verificar as instalações e anunciam benefícios, mas que têm sempre mercadoria para vender, regras absurdas e fidelizações ocultas! Para não falar das “letras pequeninas” cheias de ratoeiras, nem das regras incompreensíveis tanto para velhos analfabetos como para jovens doutorados!
Tentar esclarecer com os serviços de assistência é inútil. Podemos esperar até meia hora a ouvir música idiota. Quando a chamada é atendida, num Call Center da Covilhã ou de Cabo Verde, somos informados que temos de fidelizar, que outro serviço tratará de nós, que é necessário comprar mais um pacote ou mudar um tarifário! É inútil queixarmo-nos. Ou porque não se sabe a quem. Ou porque os “provedores” estão ao serviço da empresa, não de nós. Ou porque demoram. A análise das facturas é um pesadelo. Informação inútil e excessiva, para que ninguém compreenda. Para desmoralizar quem quer compreender. Ou obrigar toda a gente a desistir. Quando há dupla facturação, ou contagem errada, é preciso primeiro pagar, depois litigar, pagar inspecções (mesmo quando a culpa é deles…) e esperar. Meses… Anos… Sorte nossa é quando recebemos a visita de um técnico ou assistente: a gentileza e a perícia destroem o mito das máquinas e das competências digitais.
Algumas práticas destas empresas, públicas ou privadas, são simplesmente ilegais. Como tanta gente lhes deve emprego ou investimento, ninguém as castiga. Nem sequer se faz legislação que proíba o assédio comercial.
Perceber o que “eles” fazem exige tempo, sabedoria, paciência, letras, advogados e recursos. Quer isto dizer, esquecer. Por outras palavras, dar milhões a ganhar às empresas. Privados ou públicos, estes serviços teriam de responder, respeitar e servir. Não o fazem. E gabam-se da sua agressividade. Uma coisa é certa: ninguém os desafia ou vigia!
DN, 12 de Março de 2017
Etiquetas: AMB
6 Comments:
E assim, realmente.
E nem os livros de reclamações, que já usei por mais que uma vez adiantam alguma coisa.
Um dia sim, libertei-me de uma "fidelização infinita" por causa de um daqueles computadores do tempo de Sócrates, que me acorrentava a uma tal TMN. Foi quando recorri a um centro de arbitragem. Remédio santo: a coisa ficou anulada em 15 dias, com uma comunicação delicodoce da até aí arrogante e agressiva fornecedora.
Um mal do nosso tempo, cuja trama nos enleia paulatina e seguramente. Libertarmo-nos passa a ser uma quase impossibilidade se, como refere José Batista, não recorrermos a meios exteriores especializados. Um sofrimento. Mesmo perante a morte de uma das partes contratuais, a libertação é um calvário, conheço casos...
Ninguém responsável olha para isto e fiscaliza ou, no mínimo, estabelece princípios que respeitem o cidadão utente. Atente-se no caso recente de imposição às empresas de TV a redução do volume, ou pelo menos evitar o seu aumento, quando entram as bandas publicitárias. Alguém notou? Ninguém é sancionado? E as comissões bancárias onde todos os dias, salvo o exagero, somos "roubados" descarada e impunemente? E sempre a pagar os mais débeis.
Vivemos neste mundo e nós consentimo-lo.
O maior pesadelo é SAIR, anular o contrato.
Quando me mudei de Lisboa para Lagos (onde vim a ter serviços gratuitos) precisei, obviamente, de cancelar o contrato com a MEO.
Um inferno!
Passaram-me de pessoa em pessoa, com música pelo meio!
Depois, o drama de devolver o equipamento...
Mas o maior obsurdo sucedeu-me antes:
A minha linha telefónica foi "grampeada", numa altura em que eu JÁ NÃO TINHA APARELHO!
Felizmente, veio a factura discriminada...
Reclamei, e é claro que não paguei.
.
Mas anos depois voltei a precisar de instalar telefone:
Resposta:
"Só depois de regularizar o pagamento em dívida"!!
Sim, era esse MESMO pagamento!
:
Lá tive de fazer outra reclamação!
Penso que, a grande maioria dos utentes já teve incidentes deste género com as operadoras de telecomunicações. É uma luta inglória. E, ainda nos diziam que iriamos ser beneficiados com a livre concorrência...E, a EDP? Distribuidora, comercial.. e, não sei que mais...as leituras por estimativa...etc, etc. E, o cliente, que devia ser bem tratado, paga e não refila, porque não vale a pena
Mas este é o paraíso que nos prometem os arautos do Estado regulador. E para assegurar o bem estar dos consumidores / utentes destes serviços foram criadas por inspiração de Bruxelas (e de outras capitais) as chamadas entidades reguladoras, onde pululam antigos servidores das entidades reguladas e académicos vários que vêm frequentemente a público travestir a realidade como forma de mascarar a sua incompetência (voluntária?). E tudo isto pago a peso de ouro pelos cidadãos contribuintes e consumidores.
A corrupção veste-se de muitas formas ...
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