Sem emenda - Deriva
Por António Barreto
Os momentos de crise têm como
efeito revelar o melhor e o pior de cada um. Passada a crise, surge a
oportunidade para corrigir, mas também a de deixar tudo na mesma. A questão
geral da segurança dos cidadãos, com duas crises quase coincidentes, a dos
fogos de floresta e a do roubo de material de guerra, oferece-nos esta
possibilidade de ver como se comportam as pessoas, responsáveis, executantes e
observadores. Tal como nos proporciona o ensejo de verificar se há justiça e se
existe capacidade para investigar e reformar.
Em Tancos, não se sabe quem,
como, quando, quantas vezes, nem para onde… É o que é preciso apurar. Mas
sabe-se quem deixou, não devia ter deixado, devia estar atento e devia prevenir
e evitar: militares de serviço, chefes militares e responsáveis políticos.
Quem, em concreto: é também o que é preciso identificar. Pedrógão: o paralelo
com Tancos parece forçado, mas não é. Falta de coordenação. Descuido. Prevenção
deficiente. E as questões financeiras, administrativas e jurídicas a pesarem
mais do que a segurança e a vida das pessoas.
A seriedade das crises começou
por ser esbatida. Só lentamente, com o número de mortos e o receio da opinião pública,
as autoridades admitiram a gravidade. Mas a desvalorização manteve-se. O uso
das emoções foi um medíocre substituto do empenho. A dissolução de
responsabilidades foi, desde o início, atitude visível. As hábeis perguntas
públicas do Primeiro-ministro, dirigidas aos seus serviços, destinavam-se a
revelar a sua distância e definir a tentativa de atribuir as responsabilidades
a quem está por baixo. A ausência do Primeiro-ministro em férias foi um momento
alto de mau governo. Quis mostrar, contra a evidência, que nada de especial se
passava.
O governo e a actual aliança
parlamentar maioritária querem zelar pelo que corre bem e distribuir o que
existe. Mas não deram provas de saber reagir a crises surpreendentes. Nestas
últimas, não havia nada de bom a tomar conta ou a distribuir. Havia perda, medo
e morte. Perante isso, o governo seguiu pelos maus caminhos da dissolução de responsabilidades.
É possível que possam vir a ser
identificados os que, por incompetência ou malícia, conduziram a esta situação.
Como pode acontecer que haja inexperiência negligente a merecer reparo. Em qualquer
caso, com ou sem responsabilidade ministerial, espera-se que tudo seja apurado
e que haja castigo. Mas não com displicência. Nem covardia. Nem falta de
sentido de responsabilidade. Só com provas robustas podem os governantes pôr em
causa militares, bombeiros, técnicos, polícias e guardas. E só com certezas se
pode identificar a incompetência governamental e a negligência política. Tudo leva
a crer que haja falhas nos dois planos, o dos serviços e o dos políticos.
Os militares não merecem tratamento
de excepção. São pessoas, cidadãos e profissionais como tantos outros. Mas
merecem atenção especial, porque não são como os outros. Tal como os guardas, os
polícias e os bombeiros, a quem se pede um grau de disponibilidade que envolve
perigo de vida, os militares merecem essa consideração. Além disso, são grupos
profissionais a quem foram justamente cerceados direitos fundamentais, como a
liberdade de expressão e os direitos de associação política e foram imputados
deveres de obediência e recato que outros não têm. Tudo isto fundamenta um
tratamento especial que os políticos têm a obrigação de respeitar. Ora, o
actual governo e a actual aliança parlamentar não sabem exercer essa sua
responsabilidade moral e política, não sabem tratar os militares como deve ser.
O actual poder político tem pena
dos mortos, mas oscila entre o desprezo e a submissão. Desprezo por quem corre
perigo de vida. E submissão perante quem tem dinheiro ou votos…
DN, 9 de Julho de 2017
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1 Comments:
Na verdade,os momentos de crise têm o efeito de revelar o melhor é o pior de cada um Mas também revelam a capacidade de acção,a organização e a coordenação dum país.Estes dois graves acontecimentos mostraram um país com políticos(quer do governo, quer da oposição)sem capacidade de acção imediata,desorganizados,mais preocupados em sacudirem a água do capote,focados em querelas e acusações,em vez de apurarem as verdadeiras razões(causas directas,indirectas,remotas e recentes )que originaram estes acontecimentos ,afim de evitar que se repitam
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