Sem emenda - Rescaldo
Por António Barreto
Falhou quase tudo: os serviços de
previsão, prevenção e protecção, a coordenação geral das operações e os
sistemas de comunicação. Como parece estarem agora a falhar o apuramento de
responsabilidades e a detecção de erros.
Com a preocupação de conhecer o
seu grau de popularidade, logo após as duas semanas de incêndios, o governo (ou
o PS) encomendou um estudo dito de “focus group”. Este gesto resume, no
essencial, a noção que o governo tem da opinião dos cidadãos e dos deveres a
que está obrigado.
Depois de uma sessão parlamentar
durante a qual, para não chocar a opinião, os partidos entenderam ser cordatos,
logo no dia seguinte os deputados e os ministros desancaram-se sem estribeiras
nem educação.
A desgraçada floresta portuguesa
continua a receber tratos de polé! Após três ou quatro décadas de atraso, a
legislação da sua reforma vai agora ser aprovada à pressa, para mostrar
trabalho feito! É triste ver como o desastre leva à asneira. E vice-versa.
Sucedem-se as revelações a
propósito das responsabilidades governamentais na assinatura do contrato de
Parceria Público Privada com a SIRESP. Crescem as dúvidas, tanto por causa do
parecer do Tribunal de Contas, como pelo facto, agora conhecido, de ter sido
afastada a alternativa mais eficiente e mais barata, mas de que não faziam
parte o BES, o BPN e a PT! Entretanto, uma comissão de avaliação da SIRESP é
constituída por um organismo que inclui um accionista da SIRESP!
Cinco organismos públicos e um
privado ao serviço do público, além das câmaras municipais e de vários grupos
de bombeiros, têm ideias opostas sobre o que se passou e, pelas deficiências
encontradas, atribuem responsabilidades a organismos diferentes. A falta de
coordenação e de autoridade com que os operacionais, os consultores e os
subcontratados reagiram nos momentos mais dramáticos prossegue agora nas
operações de rescaldo e na determinação de responsabilidades.
Os bodes expiatórios abundam,
cada um teu o seu. A SIRESP foi a culpada. A Ministra deve demitir-se. A
responsabilidade é do eucalipto. O eucalipto deve ser proibido. A culpa é dos
proprietários privados. A responsabilidade pelas mortes é da GNR. A culpa é do
Serviço de Prevenção. Já se percebeu que há muita gente a querer fugir à
responsabilidade. Já se entendeu que a estratégia do governo é a da dissolução
de responsabilidades.
Num caso como neste, definir a causa
e a culpa é uma das maiores dificuldades do processo de averiguação. A falta de
previsão e a negligência são muito difíceis de determinar. Distinguir entre as
causas imediatas e longínquas é complexo. Destrinçar responsabilidade,
negligência, dolo, culpa, ineficiência, imprevidência e desleixo é muito
complicado. Identificar as responsabilidades e as culpas, diferentes da incompetência,
é tarefa delicada. Espera-se que nada disto seja motivo para atraso e manipulação.
Espera-se que tudo isto seja razão para diligência e rigor.
Mais uma vez, o país mostrou a
sua persistente fragilidade. Inundações, incêndios, seca, chuva e temporal, se
ultrapassam as normas e as rotinas, logo se transformam em desastre. Num país
tão sequioso de sucesso e êxito, de vitórias e glória, é difícil encontrar a
mesma atenção para o que é sério, a segurança dos cidadãos.
Entretanto, esperam-se respostas rápidas,
prontas e generosas. Indemnizações magnânimas para muitas vítimas e respectivas
famílias. Apoios aos feridos e doentes, assim como aos que ficaram sem ajuda
familiar. Justos subsídios aos que precisam urgentemente de reconstruir as suas
casas. Subvenções aos que ficaram sem instalações agrícolas, celeiros, adegas,
animais e tractores.
Como é hábito e está nas melhores
tradições nacionais, é possível que, relativamente às responsabilidades e às
culpas, nada se venha a averiguar. Mas, ao menos, que sejam cuidadas as pessoas
e as vítimas. E que, no futuro imediato, se trate, sem corrupção e sem PPP, dos
sapadores, dos bombeiros, dos aviões, dos helicópteros e das telecomunicações.
Alguém disse: “quem não conhece a
história, fica condenado a vê-la repetir-se”.
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DN, 2 de Julho de 2017
Etiquetas: AMB
2 Comments:
E alguém acredita nas respostas rápidas aos "desgraçados" que ficaram só com a roupinha que vestiam na altura? Ou aos empresários e aos muitos postos de trabalho perdidos? E ainda aos familiares dos que perderam a vida?
Se acontecer, é novidade...que bom seria que assim fosse...
Afinal,tudo continua na mesma...Uma breve ilusão...A inércia,a falta de rápidas respostas,o apuramento de responsabilidades parecem ser uma característica da nossa classe política
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